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Há uma luz no fim do túnel para a Argentina?

By 27 de junio de 2014No Comments

Pressionada por credores internacionais, a Argentina desafia a Justiça americana e flerta com mais um calote da dívida externa. Preocupadas, as empresas brasileiras tentam blindar seus negócios

Por: Denize Bacoccina, Hugo Cilo e Luís Artur Nogueira

A agenda de trabalho do presidente da Fiat na América Latina, Cledorvino Belini, começou, na segunda-feira 23, no escritório central em Betim (MG), com um telefonema do seu chefe, Sergio Marchionne, presidente mundial da montadora italiana. Ele estava preocupado com notícias de que o governo da Argentina poderia decretar uma nova moratória. “Blinde a operação no Brasil”, recomendou Marchionne, com o objetivo de preservar das turbulências o maior faturamento da Fiat no mundo.

A situação econômica na terra da presidente Cristina Kirchner também foi o tema central de reuniões nas principais montadoras e empresas que mantêm relações comerciais com o país vizinho. Afinal de contas, 80% dos carros exportados pelo País no ano passado e 10,3% dos calçados made in Brazil, por exemplo, foram vendidos para os hermanos, que agora poderiam fechar suas portas aos produtos brasileiros diante de uma eventual escassez de dólares. “Essa nova crise prova que nós não podemos contar com a Argentina em nossos negócios”, diz Eduardo Smaniotto, diretor comercial da fabricante gaúcha de sapatos Priority, dona da marca West Coast.

“Nos últimos dois anos, nossa participação caiu de 70% para 30% do mercado calçadista argentino em razão das barreiras impostas por eles”, afirma Heitor Klein, presidente da Abicalçados, a associação dos fabricantes do setor calçadista. Embora o cenário de crise na Argentina não seja exatamente uma novidade, o quadro atual pode piorar, caso o país seja obrigado a pagar cerca de US$ 15 bilhões a credores internacionais por conta de uma batalha judicial perdida na Suprema Corte dos Estados Unidos. É muito dinheiro para uma nação que viu suas reservas internacionais minguarem nos últimos anos para apenas US$ 28 bilhões (o Brasil dispõe de US$ 380 bilhões).

Na quinta-feira 26, a Argentina pagou US$ 832 milhões referentes a uma parcela da dívida reestruturada em 2005, que só venceria na segunda-feira 30. A antecipação foi uma estratégia para tentar evitar que a Justiça americana embargue o pagamento. “A Argentina cumpriu o contrato com os credores que aceitaram a reestruturação”, disse o ministro da Economia, Axel Kicillof. No entanto, continua existindo o risco de calote nos credores que não aceitaram a renegociação – em geral, são especuladores que investiram nesses títulos podres e são conhecidos como fundos abutres.

Não fossem os gols do craque Lionel Messi, que garantiram a presença da seleção argentina nas oitavas de final da Copa do Mundo, o clima seria de velório na Argentina. Na segunda-feira 23, o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos divulgou que o PIB teve retração de 0,8% no primeiro trimestre, em relação ao quarto trimestre de 2013. Foi a segunda queda consecutiva, o que caracteriza um cenário de recessão. Com inflação oficial de 11% e desemprego na casa dos 7%, os argentinos veem a renda cair, o valor da sua moeda se esfarelar e a esperança de dias melhores cada vez mais distante.

A triste constatação é de que a Argentina diminuiu de tamanho nos últimos anos em meio a decisões populistas da presidente. No rol de equívocos, estão o congelamento de preços, a manipulação dos índices de inflação, o controle cambial e os subsídios exagerados aos setores de energia e de transporte. Para o Brasil, a preocupação também é enorme, pois se trata do principal parceiro comercial na América Latina. Embora evitem declarações públicas, as autoridades de Brasília sabem que um eventual calote poderia atrapalhar ainda mais a balança comercial brasileira, que acumula déficit de US$ 2,7 bilhões no período de 1º de janeiro a 22 de junho.

A primeira manifestação pública de apoio à Argentina veio apenas na quarta-feira 25. Durante a reunião do G77, em Nova York, o embaixador brasileiro nas Nações Unidas, Antonio Patriota, afirmou que o caso “expõe a irracionalidade de decisões judiciais domésticas com implicações sistêmicas no plano internacional”. No mesmo dia, o ministro Kiciloff alertou que a decisão americana colocava em risco “o país e a economia”, lembrando que não foi o governo atual quem contraiu a dívida e parou de pagá-la, em 2001 – como se isso justificasse o calote. A arrogância na hora de negociar com os credores é nítida desde 2005, no governo de Néstor Kirchner, marido de Cristina, morto em 2010. Para ela, a Argentina é uma pobre vítima.

“Posso ser goleira, porque a verdade é que cobram pênaltis contra mim, tiros livres, marcam com a mão, o árbitro nos prejudica em dois terços do tempo, mas cá estamos impedindo os gols”, disse a presidente na terça-feira 24. No dia seguinte, a Unctad, o braço da ONU para comércio e desenvolvimento, divulgou um documento criticando a sentença a favor dos fundos abutres e alertando para o risco para o sistema financeiro internacional, com o desestímulo a processos de reestruturação negociada de dívidas soberanas. Na semana anterior, o Fundo Monetário Internacional havia divulgado um alerta semelhante.

COMÉRCIO BILATERAL 

No Ministério da Fazenda, a leitura é a de que não há nada de objetivo que o Brasil possa fazer, já que a negociação não envolve um mecanismo multilateral. O governo federal não contempla a hipótese de uma ajuda direta, com garantias de reservas, por exemplo, e avalia também que o impacto para a economia brasileira será limitado. Isso porque, embora a Argentina seja o principal destino de produtos industrializados do Brasil e o terceiro maior cliente, depois de China e Estados Unidos, as exportações já vêm caindo desde meados do ano passado, com a falta de moeda estrangeira.

“A Argentina reduziu suas importações de todo o mundo. Isso afeta muito o Brasil, sobretudo pelo valor agregado das nossas exportações para lá”, disse o secretário de Comércio Exterior, Daniel Godinho, no início de maio, ao anunciar o resultado da balança comercial dos primeiros cinco meses do ano. A participação do país no total das exportações brasileiras diminuiu de 8,2%, nos primeiros cinco meses do ano passado, para 6,9% neste ano.Ainda assim, o volume de US$ 6,19 bilhões mantém a Argentina como um parceiro significativo, especialmente para o setor automotivo.

Não é à toa que as montadoras comemoram a assinatura do novo regime automotivo, no início de junho. “Se fosse para negociar agora, seria inviável”, diz Luiz Moan, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. Para o consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior, as exportações do Brasil para a Argentina já vêm caindo por outras razões, como o enfraquecimento da economia. Mas ele vê um efeito indireto do imbróglio com os fundos abutres. “O financiamento das exportações e mesmo do investimento na Argentina fica mais caro, porque aumenta o risco”, afirma.

De fato, mesmo com o apoio de instituições como FMI e Unctad, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s rebaixou os títulos da Argentina de CCC+ para CCC- no dia 17 de junho. Para o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson de Andrade, um agravamento da crise afetará a indústria brasileira. “Certamente vai prejudicar as exportações brasileiras.” Segundo a Economist Intelligence Unit (EIU), da revista The Economist, um eventual calote da Argentina retiraria meio ponto percentual do PIB brasileiro neste ano.

Seria uma tragédia para uma economia que, se tudo der certo, vai crescer, no máximo, 2%. Quem tem operações na Argentina também fica arrepiado com projeções como essa. É o caso do empresário Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas. A gigante do setor têxtil tem uma unidade fabril na Argentina, que produz itens de cama, mesa e banho. O foco é o atacado, que representa 50% do faturamento global da empresa, que chegou a R$ 2,043 bilhões no ano passado.

“Fico preocupado porque, obviamente, se a economia piora, prejudica a todos que estão instalados lá”, diz Gomes da Silva à DINHEIRO (leia entrevista ao final da reportagem). Na sexta-feira 27, estava prevista a reunião entre o juiz federal dos Estados Unidos, Thomas Griesa, em Nova York, e os representantes da Argentina e dos fundos hedge (acompanhe os resultados dessa reunião no portal da DINHEIRO na internet). A direção da Câmara de Comércio Argentino Brasileiro de São Paulo também acompanha com expectativa os próximos passos da equipe econômica de Cristina Kirchner.

“Caiu a ficha no governo de que chegou a hora de negociar com os credores”, afirma Alberto Alzueta, presidente da entidade, convencido de que a Argentina conseguirá sair desse buraco. “Bastam dois ou três anos de boas safras para a economia começar a andar outra vez”, diz Alzueta. É aí que mora o perigo. Sem credibilidade no mercado internacional, a Argentina continua muito dependente da sua agricultura para acumular dólares e obter crédito. E a população, infelizmente, fica à mercê da arrogância e de rompantes dos seus governantes.


O impacto maior de um calote seria no comércio exterior”

Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas, falou com a DINHEIRO na terça-feira 24, em São Paulo

Um acordo com os credores é o cenário mais provável na Argentina?
Espero que façam um acordo. É o melhor para todos: para os argentinos e para os credores.

Mas não é fácil negociar com o governo Cristina Kirchner…
Eu acho que negociar é o desejo atual do governo argentino, que, finalmente, compreendeu que o acordo é a melhor saída, não a briga ou o calote. É preciso fazer um acordo que eles pos­sam pagar. Não adianta vo­­­cê exigir um pagamento inviável.

Um eventual calote será muito ruim?
Um calote teria impacto, claro. Não acho que o risco Brasil possa subir muito por causa disso. Pode até subir temporariamente, num efeito imediato de aversão ao risco, mas o impacto maior seria no comércio exterior. É por isso que eu digo que um calote não seria bom nem para a Argentina nem para o Brasil, que tem um comércio muito intenso com o vizinho.

O investidor estrangeiro já sabe diferenciar o Brasil da Argentina?
Acho que sim. Aliás, espero que sim. Brasil e Argentina são equivalentes no futebol, mas bem diferentes na economia.

É difícil fazer negócio na Argentina?
A Argentina, de uns tempos para cá, tem adotado um conjunto de políticas mais “mainstream”, digamos assim.

Colaboraram André JANKAVSKI e Carolina OMS

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