O Brasil sofreu nesta quarta-feira (30) uma das maiores condenações da sua história na Organização Mundial do Comércio (OMC). Confirmando um relatório preliminar de novembro passado, o órgão deu um prazo de 90 dias para que sejam suspensos 7 programas de apoio à indústria brasileira considerados ilegais.
A decisão responde a pedidos de consulta da União Europeia em dezembro de 2013 e do Japão em julho de 2015, depois unificados em um processo único.
Entenda o que foi decidido:
Por que o Brasil foi condenado?
Segundo a OMC, os programas deixam produtos importados em desvantagem na comparação com os nacionais, o que é considerado anticompetitivo. De acordo com Renata Amaral, diretora de comércio internacional da consultoria Barral M Jorge, a organização é clara na proibição de dois tipos de subsídio. Uma regra é que benefícios não podem estar vinculados à exigência de conteúdo nacional. Segundo a OMC, esse é o caso do Inovar Auto, que dá crédito presumido de até 30 pontos percentuais para investimentos em tecnologia e aquisição de insumos no Brasil na indústria automobilística. Este também é um problema de vários programas vinculados à Lei de Informática, que reduz IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para produtos desenvolvidos dentro do país.
Outra regra da OMC é que um governo não pode financiar ou deixar de arrecadar um valor que esteja vinculado a uma melhor performance exportadora de um setor ou empresa. A OMC entendeu que esse é o caso do Regime especial de aquisição de bens de capital para empresas exportadoras (Recap), que suspende cobrança de PIS e Cofins na compra de máquinas e equipamentos de empresas altamente exportadoras, e em outro programa na mesma linha, o PEC.
Isso já não era previsível quando os programas foram feitos?
“É muito pouco provável que quem estava envolvido [na formulação] não soubesse dos compromissos do Brasil na OMC”, diz Renata.
Mas é possível que essa preocupação tenha sido deixada de lado porque as decisões da OMC demoram para ser aplicadas, dando aos programas um tempo de efetividade e agrandando a indústria.
Também vale notar que a maior parte dos programas são do primeiro governo de Dilma Rousseff, marcado por subsídios setoriais, intervencionismo microeconômico e políticas nacionalistas.
“Sobretudo os programas automotivos e de tecnologia da informação repetem um pouco da cultura de substituição de importações”, diz Renata.
O que acontece a partir de agora?
O governo brasileiro irá recorrer de pelo menos parte da decisão, informou o subsecretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, Carlos Márcio Cozendey.
A apelação só pode ser feita a partir de 19 de setembro e deve acontecer em no máximo 60 dias. O Órgão de apelação leva em média 90 dias para tomar uma decisão, mas tem demorado mais por causa de processos atrasados.
Mantida a condenação, são feitas recomendações para o país adaptar sua legislação ao exigido. Caso UE e Japão continuem achando que o Brasil não se adequou, podem pedir um painel de implementação para verificação oficial das medidas tomadas.
A partir de quando que os países podem retaliar contra o Brasil?
Se o painel de implementação verificar que o Brasil de fato não atendeu ao exigido, os países do processo podem pedir “suspensão de concessões”, termo técnico para o direito de retaliar. O processo também teria seu prazo e o direito ficaria restrito à UE e ao Japão. “Quero crer que não vai chegar a isso, mas não é impossível”, diz Renata.
Um caso sobre algodão que o Brasil ganhou dos EUA, por exemplo, tem três painéis de implementação ativos, já que cada pequena mudança feita pelos americanos dispara nova revisão, atrasando o processo. Muita coisa pode acontecer enquanto o processo se arrastar ao longo de 2018. O Inovar Auto, por exemplo, só vale até dezembro deste ano e já estará extinto.
Além disso, o governo tem outros incentivos para levar em conta, como o custo: desde 2010, os sete programas somaram cerca de 25 bilhões de reais em subsídios. Com previsão de déficit primário de 159 bilhões de reais em 2017 e 2018, é grande a busca por qualquer tipo de receita extra, como sinalizou o programa de privatizações anunciado na semana passada.
Isso pode afetar a negociação do acordo entre Mercosul e União Europeia?
O chanceler Aloysio Nunes está em uma viagem pela Europa, coincidindo com a presidência brasileira do Mercosul, com o objetivo de avançar nas negociações de um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. A ideia é fechar o texto antes da reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) que acontecerá em dezembro em Buenos Aires.
Marcos Troyjo, economista e diplomata que dirige o BRIClab da Universidade de Columbia, avaliou recentemente que a chance de acordo é “a mais alta em 20 anos pois a UE quer provar que está operante” em um momento que se recupera economicamente e lida com a saída do Reino Unido. A discordância na OMC não deve ter papel relevante diante de outros temas bem mais complicados, como os subsídios agrícolas.
“Contenciosos são muito técnicos e específicos. Mesmo países com uma relação umbilical de comércio, como Estados Unidos e México, tem contenciosos na OMC. Acho pouco provável que misturem isso em uma negociação”, diz Renata.
Como a indústria reagiu?
O diretor de Desenvolvimento Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Carlos Abijaodi disse em nota que é fundamental conciliar medidas de impacto no setor com normais internacionais. “A última coisa que o empresário precisa é de medidas pouco eficazes ou que podem ser questionadas no futuro”, diz ele.
Ele nota que parte dos programas condenados pela OMC foi criada para corrigir distorções decorrentes do próprio sistema tributário brasileiro. “Se a decisão final da OMC confirmar a condenação, a melhor forma de corrigirmos essa situação é realizando uma reforma tributária que amplie a competitividade da indústria”, diz ele.