A nova ordem mundial, emergida no pós-Guerra Fria, escancarou uma crise no sistema internacional. A posição dos Estados, antes ligados a um dos polos ideologicamente predominantes do período anterior, tornou-se rapidamente uma busca incessante por parceiros regionais capazes de tornar viável sua visibilidade internacional.
Entre acordos comerciais regionais – na Europa – e internacionais – por parte das duas potências dominantes à época -, a criação de blocos regionais já pleiteava a segunda metade do século XX, tornando-se possível sua execução após a eclosão do sistema bipolar existente no pós-II Guerra Mundial.
A busca por parceiros não se limitava à demanda econômica, sendo que movimentos realizados ao longo do período, tais como o terceiro-mundismo, cooperação sul-sul e o de não alinhamento, escancaravam a necessidade em não depender, diretamente e somente, das grandes potências.
Diante do novo cenário que se configurava, foi comum, durante a década de 1990, a análise e prospecção do futuro da economia e sistema internacional. Foi assim que no começo do século XXI Jim O’Neill sugeriu o acrônimo BRIC como forma de se reportar aos países (Brasil, Rússia, Índia e China) com o maior poder de crescimento econômico a longo prazo, adicionando-se, em 2010, a África do Sul (BRICS).
O movimento exógeno de criação de um grupo começou a apresentar resultados em 2006, ano da primeira reunião de Chanceleres do Grupo BRIC, realizada à margem da 61ª Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas. As primeiras diretrizes, porém, começaram a ser alinhadas em 2009, resultado da realização da I Cúpula do BRIC.
As diretrizes confirmaram o movimento em sentido de promover a construção de um sistema internacional fundado sob os pilares de um estado de direito internacional fortalecido no multilateralismo, com papel central sendo desempenhado pela Organização das Nações Unidas, capazes de lidar efetivamente com os desafios globais – socioeconômicos, sustentáveis, desenvolvimentistas e ameaças à paz.
Dentro das expectativas geradas pelo estudo de O’Neill – a participação do BRICS no PIB mundial representava 8% em 2001; uma década depois alcançou 19%, 5% a mais do que o previsto pelo economista – o grupo dos BRICS, que o economista prefere chamar de economias em crescimento em detrimento de emergentes, poderia vislumbrar o nascimento de um bloco econômico suficientemente capaz de competir com as grandes economias mundiais.
Apesar das inciativas de governança global e de reformas no sistema mundo e a grande expectativa sobre o crescimento econômico do bloco, ainda não é possível analisarmos o bloco como um grande player, já que cada país tem uma historia muito diferente e posições internacionais distintas.
A China se consolida como a grande economia que se esperava, tendo o 2º maior PIB do mundo, consolidado como o maior exportador do mundo, aumentando seus investimentos no exterior e também seu parque industrial, enquanto adquire e desenvolve tecnologia para aprimorar sua produção. É sem dúvida o integrante dos BRICS que mais atingiu suas expectativas, mas que ainda não aparenta um apetite de se tornar o principal ator do cenário internacional e ainda precisa resolver problemas internos como os alarmantes problemas de desequilíbrio da distribuição de renda e o baixo consumo de sua própria população, além de problemas regionais como o seu conturbado relacionamento histórico com os vizinhos.
A Rússia ainda tenta se encontrar após o longo período sobre a bandeira da União Soviética em que passou anos como uma economia isolada e completamente estatal. Após o colapso da União Soviética, a economia russa passou por um brutal processo de privatização, com algumas exceções nos setores de energia e defesa, mas mesmo assim o governo continua intervindo fortemente no setor econômico, gerando incerteza para o setor privado sobre o país, e não oferece um sistema de proteção adequado à propriedade intelectual. Nas exportações, a Rússia ainda é extremamente dependente do petróleo e gás natural, já que após quase meio século sem ter de enfrentar concorrência, as suas indústrias manufatureiras não conseguem competir internacionalmente. No cenário político internacional, a Rússia continua relevante principalmente pelo seu poderio militar e tem papel forte no âmbito regional em casos como a Criméia e a Chechênia, além de diversas disputas territoriais sobre as suas fronteiras.
A Índia tem realizado reformas econômicas que buscam abrir o mercado e aumentar a competitividade da sua indústria, apresentando resultados satisfatórios, principalmente em relação ao crescimento do seu setor de serviços. Apesar de ter aumentado seu PIB em sete vezes entre 1995 e 2010, a Índia enfrenta o dilema de como manter a sua agricultura camponesa com baixos índices de produtividade em um ambiente de alta competitividade e também um modo de conseguir controlar uma inflação que se mantém perto de 10% a.a.. No cenário internacional, a Índia tal qual o Brasil aspira por um lugar de maior destaque no cenário internacional, buscando principalmente um lugar no Conselho de Segurança da ONU, enquanto busca controlar as tensões com o Paquistão na região da Caxemira.
A África do Sul não era um membro original do BRIC, mas foi adicionada ao grupo após a Cúpula de 2010 dos BRICS em uma manobra com motivações políticas – incluir a África na agenda econômica desses países e dar legitimidade aos BRICS como representantes do Hemisfério Sul – e é o membro menos desenvolvido economicamente do grupo. A África do Sul apresenta vários indicadores econômicos ruins como uma taxa de desemprego de quase 25%, além de ter o menor PIB e ser o menor exportador do grupo. A África do Sul tem uma estrutura de negócios confiável e recursos naturais abundantes, mas ainda sofre com a má distribuição de renda, o baixíssimo poder aquisitivo de boa parte de sua população e a falta de um sistema elétrico de confiança para o seu parque industrial.
O Brasil, após um período em que parecia ser capaz de superar até mesmo as previsões de crescimento mais otimista, teve seu crescimento freado nos últimos anos e enfrenta seus problemas antigos como a inflação e a falta de logística adequada. Além do mais, a insistência do governo com o MERCOSUL é muito questionada por especialistas. Com um índice de desemprego baixo e o crédito em expansão, a economia brasileira foi sustentada internamente pelo aumento do consumo e externamente pelas exportações de commodities. O desafio Brasileiro agora é aumentar o seu comércio com parceiros não tradicionais além de oferecer condições de logística para que a indústria aumente suas exportações.
Além das grandes diferenças e problemas internos que cada um dos BRICS ainda tem a enfrentar, as suas evoluções como bloco ainda não são significativas. O comércio entre os BRICS aumentou apenas 3% desde o início dos encontros do grupo, os acordos econômicos e de cooperação entre eles ainda são uma realidade distante, o “Banco dos Brics”, um fundo de desenvolvimento proposto na última cúpula, não deve ficar pronto este ano como anteriormente era esperado, as posições entre os países ainda são divergentes, como na questão de subsídios agrícolas que opôs Brasil e Índia durante a Rodada Bali da OMC e a única mudança que os países conseguiram a nível global foi serem credores do FMI.
A estruturação do BRICS como um bloco ainda é um projeto futuro. Apesar das expectativas iniciais, as mudanças no sentido de consolidação não são promissoras no curto prazo. Os países ainda tem um longo caminho a percorrer individualmente e coletivamente antes de se tornarem grandes potências como esperado e transformarem o BRICS em um dos principais atores do cenário econômico e político internacional.
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Matheus Andrade e Raphael Lenzi são colaboradores da Barral M Jorge e graduandos em Relações Internacionais pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).