por Jonathan Wheatley | Financial Times
Em dezembro de 1994, Fernando Henrique Cardoso, presidente eleito do Brasil, discursou perante o Senado do país. Estava com um papel no qual havia listado as suas prioridades. Era um esboço para uma profunda reforma do sistema fiscal do Brasil e de sua ‘ordem econômica’, afetando gastos públicos, leis trabalhistas, o Judiciário e o sistema político.
Passados 20 anos, apesar da onda de valorização das commodities e da ascensão de uma nova classe de consumidores no mundo em desenvolvimento, é gritante como pouco foi feito entre as tarefas listadas pelo presidente Cardoso.
O Brasil não está sozinho. Investidores questionam cada vez mais se muitos dos principais mercados emergentes executaram de fato reformas estruturais vitais durante seus anos de alto crescimento.
As dúvidas sobre a resistência dos mercados em desenvolvimento provocam irritação, de Brasília a Bangcoc. Governos de países emergentes argumentam que estão bem menos expostos a choques externos do que estavam nos anos 90, quando turbulências iniciadas no México, Tailândia e Rússia causaram ondas de destruição financeira pelo mundo.
Até certo ponto, os argumentos são justificados. Muitas economias emergentes reduziram a sua dependência em relação a dívidas em moeda estrangeira, limparam as finanças públicas e erigiram grandes reservas financeiras internacionais.
O ministro das Finanças da Turquia, Mehmet Simsek, diz que foram promovidas mudanças de alta abrangência. ‘Muitos mercados emergentes melhoraram significativamente seus balanços públicos, seja falando em termos de finanças públicas ou de outros fundamentos macro’, diz. Taxas de câmbio livres e sistemas bancários mais bem regulamentados, por exemplo, são quase universais, diz.
Tais mudanças, Simsek reconhece, foram, no entanto, reformas de ‘primeira geração’ – o tipo de medidas que pode ser executado por tecnocratas em ministérios das Finanças e bancos centrais. Justo enquanto esse trabalho era feito, a demanda chinesa, o superciclo de alta das commodities e a era da exuberância racional despejavam uma enxurrada de novas riquezas no mundo emergente. A crise financeira de 2008/2009 manteve o dinheiro fluindo na mesma direção, graças ao afrouxamento monetário quantitativo. O imperativo por reformas perdeu força.
Agora, o mundo voltou a mudar. O crescimento chinês desacelerou-se. O superciclo de alta das commodities acabou. O fim do afrouxamento quantitativo foi adiado pelo Federal Reserve (Fed, autoridade monetária dos EUA) em setembro, mas ainda assim vai chegar em algum momento. A falta de reformas é, de novo, uma preocupação.
‘Talvez, as reformas de segunda e terceira geração estejam engavetadas’, diz Simsek. ‘Digamos que os mercados emergentes não foram agressivos o suficiente diante desse pano de fundo relativamente favorável.’
Um problema é que, hoje, há pouco espaço para ministérios das Finanças e bancos centrais se prontificarem para o resgate. ‘Não há nada que eles possam fazer agora que seja fácil’, diz Gaurav Mallik, da gestora de recursos State Global Advisors. ‘Só há agora coisas difíceis.’
Ele cita a Índia, onde o governo luta por reformas trabalhistas e de propriedade de terras, politicamente delicadas. ‘Vejam o redemoinho que surge cada vez que uma nova política é tentada’, diz, apontando como exemplo a completa mudança de direção nos esforços de Nova Déli para permitir investimentos estrangeiros no mercado de varejo.
No Brasil, a falta de reformas é digna de nota, já que o caminho à frente havia sido mapeado tão claramente. Fernando Henrique não deixou de mostrar serviço. Como ministro das Finanças, derrubou uma inflação descontrolada. Como presidente, fez muito para assentar as fundações para uma prosperidade posterior. Em um país viciado na generosidade estatal irresponsável, ele consagrou a responsabilidade fiscal, tornando-a lei. Também avançou nas privatizações em áreas centrais, como energia, telecomunicações e outras concessionárias públicas.
Suas reformas, no entanto, perderam ímpeto. O governo ainda gasta muito e mal. Um sistema tributário desconcertante e a burocracia continuam a ser fardos pesados sobre as empresas, assim como um código trabalhista inspirado na Itália de Benito Mussolini.
Luiz Inácio Lula da Silva, que sucedeu Fernando Henrique, manteve os pilares da estabilidade e ajudou a estender seus benefícios para os mais pobres por meio de uma rede de segurança social generosa e do acesso a crédito barato. A agenda de FHC, no entanto, foi em parte revertida, com o governo ampliando o controle estatal sobre o setor petrolífero, a pesados custos, e com a influência estatal sendo estendida a outros setores.
Nem todos os governos emergentes andaram para trás. Alguns, como os do Chile e da Polônia (e outros na Europa Central), se aproximaram dos níveis de renda do mundo desenvolvido e agora se deparam com o desafio de escapar da armadilha da renda média. Outros ainda precisam aproximar-se disso.
Quando falou em 1994, Fernando Henrique talvez estivesse no auge da popularidade, tendo sido alçado ao poder depois de o Plano Real derrubar a inflação. O plano era ‘apenas o primeiro passo para mudanças e uma ponte para reformas estruturais que perdemos a oportunidade de lançar neste ano’, como disse aos senadores.
Não fazia ideia de que a oportunidade ficaria perdida por tanto tempo.
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