Desde a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1994, dentre outros fenômenos, a evolução sistemática das cadeias globais de valor (CGVs) tem chamado a atenção dos especialistas tanto pela escala que vem ganhando nos últimos anos quanto pela progressiva complexidade dos eventos que as cadeias contemplam.
Sinteticamente, as CGVs dizem respeito a gama completa de atividades das empresas, desde a concepção de um produto até o seu uso pelo consumidor final. Incluem, assim, atividades de design, produção, marketing, distribuição e suporte ao consumidor final[1].
Segue abaixo mapa simples criado pela Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD, sigla em inglês):
A evolução das CGVs reflete a fragmentação internacional da produção e propõe ponderações quanto às políticas econômicas e comerciais adotadas pelos países, uma vez que afetam diretamente o desempenho econômico e o ganho/perda de benefícios derivados da participação ou não nas CGVs.
Mais que isso, o adensamento das CGVs influi na agenda política comercial dos governos, uma vez que inclui uma variedade de temas – como políticas ambientais, subsídios, serviços, propriedade intelectual, etc. -, que vão além das questões de acesso a mercado, tracionais nos acordos comerciais.
Com efeito, o comércio internacional das empresas transnacionais ao redor do globo envolve operações cada vez mais orientadas pelo crescimento e evolução das CGVs. Ademais, quando as cadeias de valor são, de fato, globais, há necessariamente maior interlocução entre seus atores internacionais, e, portanto, as políticas comerciais dos países se tornam progressivamente interdependentes.
Ainda que a interdependência entre as políticas comerciais dos países não seja algo novo, a escala e o grau de intensidade em que as trocas e os processos produtivos estão se desenvolvimento em resposta à participação nas grandes CGVs tem sido tema de intensos debates, notadamente no Brasil, por razões que serão brevemente observadas mais adiante.
No que diz respeito à OMC, o movimento das CGVs envolvendo grande parte de seus Membros parece ser de imenso interesse para resolução de entraves enfrentados pela própria Organização. Certamente, como aponta Bernard Hoekman em seu recente livro[2], as CGVs complementam os processos da OMC por ter capacidade de, entre outros:
– Mobilizar um maior apoio para a conclusão das regras de acesso a mercados e para as demais negociações da Rodada de Doha;
– Utilizar a OMC como fórum de deliberação;
– Promover a aprendizagem entre os Membros com iniciativas regionais;
– Cooperar em novos temas políticos que não estão sobre a mesa na OMC atualmente; e,
– Informar sobre mecanismos mais novos e mais eficazes para lidar com questões de desenvolvimento, com base no precedente estabelecido pelo Acordo de Bali sobre Facilitação do Comércio.
De fato, a observância do adensamento de determinadas CGVs e das práticas comerciais e de produção por elas adotadas podem ajudar a identificar os pontos de fricção e de convergência de políticas comerciais globais, bem como os temas que merecem ser contemplados pela OMC nas discussões sobre política comercial.
A título de exemplo, sobre a relevância de observar os movimentos das CGVs, tema como comércio de serviços, de absoluta importância para as CGVs, é discutido paralelamente aos temas prioritários para a OMC. Com efeito, a criação de um Acordo sobre Comércio de Serviços[3] – envolvendo atualmente 50 países na tentativa de assinar um acordo plurilateral -, não é discutido no âmbito da Agenda de Doha (Doha Development Agenda).
Para finalizar, vale a reflexão sobre a (não) participação do Brasil nos movimentos mais significativos de comércio internacional, cada vez mais sofisticado. O Brasil está, claramente, à margem do processo de compartilhamento global de produção. Gargalos em infraestrutura, sistema tributário complexo, pouco incremento a processos de inovação e a falta de prioridade à construção de uma política comercial e à elaboração de uma agenda de investimentos manterão o país isolado da riqueza das CGVs e das demais negociações de comércio internacional.
Manter-se na periferia do que acontece no mundo e recrudescer o protecionismo comercial parece já dar sinais de ser uma “política externa” duvidosa, de acordo com os maus resultados observados na balança comercial de 2014 e na crescente desindustrialização das empresas brasileiras.
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Renata Vargas Amaral é Doutora em Direito Internacional por Maastricht University e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Sócia da Barral M Jorge Consultores Associados da área de Comércio Internacional.
[1] Ver Porter, M. E. (1986), “Competitive Advantage – Creating and Sustaining Superior Performance”, Harvard University Press, Cambridge, MA.; e Gereffi, G., J. Humphrey, R. Kaplinsky and T. Sturgeon (2001), “Globalisation, Value Chains and Development”, IDS Bulletin, Vol. 32.
[2] Hoekman, Bernard (2014), “Supply Chains, Mega-Regionals and Multilateralism: A Road Map for the WTO”, London: CEPR, May 19.
[3] Trade in Services Agreement (TISA), lançado em 2012 por iniciativa dos Estados Unidos. Disponível online em: <https://servicescoalition.org/negotiations/trade-in-services-agreement>.