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Autora:  THAÍS UCHÔA, consultora em Assuntos Regulatórios.
A Febre Aftosa (FA) foi detectada pela primeira vez na Itália, no século XVI. No século XIX, a doença se espalhou – por meio do transporte de animais infectados – por vários países da Europa, África, Ásia e América. No Brasil, o primeiro registro ocorreu em 1895, no Triângulo Mineiro, sendo o último foco detectado no Paraná e Mato Grosso do Sul, em 2006.
A FA é uma doença viral infectocontagiosa¹, aguda, endêmica² e febril, que tende a se espalhar rapidamente caso as medidas de controle e erradicação não sejam adotadas logo após sua detecção. Dentre os principais sintomas estão: febre, seguida pela formação de vesículas bolhosas na mucosa bucal, úbere e espaço interdigital dos animais de casco fendido³ – como bovinos, búfalos, caprinos, ovinos e suínos. O vírus está presente em grande quantidade no epitélio e no líquido presente nas vesículas, podendo ser encontrado também na saliva, no leite e nas fezes dos animais afetados.
A transmissão ocorre pela movimentação de animais, pessoas, veículos e outros objetos contaminados pelo vírus e pode contaminar o solo, água, vestimentas e instalações. A FA gera enorme impacto social e econômico, levando à redução de produtividade dos rebanhos e diminuição da rentabilidade da pecuária.
Para o combate à doença, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) conta com o Programa Nacional de Erradicação e Prevenção contra a Febre Aftosa (PNEFA), atuando em parceria com os serviços veterinários estaduais e a iniciativa privada. Dentre as estratégias do PNEFA estão:
i) manutenção e fortalecimento das estruturas dos serviços veterinários oficiais e da infraestrutura para diagnóstico;
ii) normatização das ações;
iii) vigilância sanitária ostensiva;
iv) manutenção de programas de educação sanitária; e
v) vacinação de animais.
Nesse ano, o MAPA apresentou o plano para retirada da vacina de Febre Aftosa em todo o país até 2023, quando o país deverá ser reconhecido pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) – como já acontece no estado de Santa Catarina – como zona livre da aftosa sem vacinação. Para tanto, o primeiro passo será a modificação da vacina até 2018. O produto, que hoje é trivalente e protege o rebanho dos vírus tipo A, C e O passará a ser bivalente, contendo apenas as cepas A e O, devido à inexistência do vírus tipo C na América do Sul. Com essa modificação, a dose do produto também deverá diminuir de 5 ml para 2 ml, mantendo a qualidade e os antígenos necessários à prevenção da doença.
Outro efeito esperado dessa modificação é a diminuição da reação vacinal. As reações locais, provocadas pela aplicação da vacina, são caracterizadas pela formação de nódulos protuberantes e circunscritos, de tamanhos variáveis e firmes. Vale ressaltar que é comum o surgimento dessas nodulações no organismo do animal, e se diferem dos abcessos.
Os abscessos são decorrentes do acúmulo de pus em diferentes tecidos e ocorrem como resposta ao desenvolvimento de bactérias piogênicas4, que ganham acesso ao organismo animal por uma ferida na pele e por meio de agulhas ou instrumentos contaminados. A falta de higienização das agulhas, o uso contínuo do mesmo instrumento para vacinar vários animais e a negligência na contenção individual interferem diretamente no aparecimento dos abcessos.
No entanto, em boa parte das ocorrências, outras questões podem estar envolvidas. As vacinas para combater a FA são oleosas e contêm muitos adjuvantes para aumentar a reação imune do animal. Alguns desses componentes podem provocar um tipo de hipersensibilidade cutânea tardia, principalmente em bovinos mais reativos5, os quais desenvolvem uma reação inflamatória celular no local da aplicação. Outro fator intrínseco à reação vacinal é a qualidade dos agentes emulsionantes6 presentes na composição das vacinas. Se a vacina for de baixa qualidade, há maior chance de reação vacinal.
As reações locais, após uso de vacina, provocam anualmente enormes prejuízos para a cadeia produtiva da carne bovina. No Brasil, estimativas de perdas econômicas causadas pelas reações – como abscessos, hematomas ou por reação granulomatosa7 – são muito grandes. Estudos mostram que as perdas atingem, em média, de 2 a 3 kg de peso na área afetada, que deve ser retirada da carcaça no momento do toalete8.
Para que os produtos cárneos continuem competitivos e integrados ao mercado mundial, é necessário criar os animais em condições sanitárias adequadas, seguindo procedimentos e práticas bem definidas que permitam o alcance de produtos de qualidade com rendimento adequado e preços competitivos.

 
*Texto publicado originalmente no Boletim BMJ de Julho de 2017.