Por Marta Watanabe | De São Paulo
A balança da indústria de transformação se deteriorou ainda mais no ano passado. O déficit do setor atingiu US$ 54,3 bilhões, com elevação de 22,5% em relação ao saldo negativo de US$ 44,3 bilhões em 2012. A exportação da indústria de transformação chegou a crescer 0,6% em 2013 contra o ano anterior, mas as importações subiram mais, com alta de 5,6%. Os cálculos foram feitos com base nos dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).
Dos 22 setores da indústria de transformação que a Funcex acompanha, em 15 houve piora de saldo comercial em relação a 2012, ou porque o déficit se aprofundou ou porque o superávit diminuiu. Nos sete segmentos em que houve melhora, o ganho (redução de déficit ou crescimento de superávit) foi superior a US$ 500 milhões em apenas dois: celulose, com crescimento de U$ 605 milhões no superávit, e outros equipamentos de transporte (onde estão as plataformas de petróleo), com elevação de US$ 6,23 bilhões.
Ricardo Markwald, diretor-geral da Funcex, chama a atenção para os segmentos que tiveram saldo positivo de balança. Foram apenas oito em 22 setores, destaca. Nesse grupo, diz, a maior parte dos setores que conseguiu superávit é de indústrias ligadas diretamente à utilização de recursos naturais, com menor valor agregado. Ele exemplifica com os segmentos de alimentos, fumo, produtos de madeira e celulose. ‘São apenas dois setores que tiveram superávit e não estão tão diretamente vinculados ao uso de recursos naturais: o de metalurgia e o de outros equipamentos de transporte.’
Para Markwald, o quadro revela menor competitividade do Brasil nos segmentos em que há maior necessidade de agregação de valor, em que o uso do recurso natural está mais diluído. Para este ano, diz ele, as perspectivas de mudança não são muitas. Há uma expectativa de recuperação da economia americana, mas existe uma incerteza do quanto a exportação brasileira pode se aproveitar disso, já que há ainda dificuldades de competitividade que ainda não foram superadas. Ele lembra que a maior desvalorização do real frente ao dólar poderia ser favorável ao Brasil no cenário da exportação, mas isso pode ter efeitos restritos.
Fabio Silveira, economista da GO Associados, diz que a desvalorização cambial não será capaz de reverter o quadro deficitário da balança da indústria, mas poderá ao menos desacelerar o ritmo de deterioração. Apesar de contribuir para um melhor desempenho das exportações, diz ele, a indústria de transformação deve continuar mantendo a importação de bens que não podem ser substituídos pelo produto nacional no curto prazo. Olhando somente para a indústria de transformação, Silveira estima que o câmbio resultará em uma elevação de exportação de US$ 5 bilhões, que virão principalmente do embarque de bens de consumo e de bens de capital.
Com estimativa de dólar chegando a R$ 2,42 neste ano, considerando um valor médio anual, diz Silveira, a alta da moeda americana deve atingir 24% na comparação com o valor médio de R$ 1,95 em 2012. ‘Não se trata de uma desvalorização gigantesca para o período, mas faz diferença na competitividade de alguns manufaturados.’ Para ele, o dólar mais caro beneficia principalmente os fabricantes de bens de consumo que utilizam mão de obra intensiva, como calçados e vestuário. ‘A desvalorização do real diminui o custo relativo com salários.’
Apesar do impacto positivo na exportação, Silveira ressalta que um certo ritmo de importação deverá se manter neste ano. Mesmo com o dólar mais caro, ele estima uma elevação de cerca de US$ 6 bilhões em importação de produtos da indústria de transformação, principalmente bens de capital e produtos intermediários. Para 2014, o economista da GO estima déficit não só para a balança da indústria de transformação como também para a balança total. Ele calcula saldo negativo de US 3 bilhões.
Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e sócio da Barral M Jorge Consultores Associados, também acredita que um dos grandes desafios para a reversão do déficit da balança da indústria é o alto nível de importação pelos próprios setores industriais, o que limita de forma significativa o efeito que a desvalorização do real frente ao dólar pode ter sobre os desembarques.
Em 2013, 21,6% do total da importação brasileira foi de bens de capitais. Outros 44,45% foram de matérias-primas e produtos intermediários. ‘O câmbio mais desvalorizado tende a fazer o primeiro efeito em bens de consumo. De início nos duráveis e depois em não duráveis. Mas o efeito sobre bens de capital e intermediários, que juntos são a maior parte da importação total do país, pode não acontecer porque não há possibilidade de substituição por produto nacional.’ Além disso, a importação muitas vezes necessária de bens de capital e insumos a um dólar mais alto, completa, é um fator que tende a pressionar o custo de produção, o que retira parte da competitividade que a indústria ganha com a desvalorização do câmbio na hora de vender para o exterior.
A recomposição de setores cujas cadeias de produção ficaram mais fragilizadas no período de real mais valorizado também não deve acontecer tão cedo, diz Rodrigo Branco, pesquisador do Centro de Estudos de Estratégias de Desenvolvimento da Uerj (Cedes/Uerj). A mudança de fornecedor de insumos industriais demanda prazos mais longos. Além disso, diz ele, há ainda uma sensação de instabilidade cambial, o que afeta as decisões de investimentos que seriam necessários para garantir a produção nacional de insumos que hoje são importados.
Analistas avaliam que a recuperação de mercados como os Estados Unidos e a União Europeia pode contribuir positivamente para a elevação de exportação de manufaturados, mas também com efeitos limitados.
Barral lembra que a desvalorização cambial frente ao dólar é um fenômeno generalizado no mundo. Ou seja, o eventual ganho de competitividade chega também para todos os países que concorrem com o Brasil na venda de bens industriais.
Mesmo que a alta do dólar chegue ao patamar esperado pelo mercado, destaca Barral, a rentabilidade ou o faturamento da exportação não irá acompanhar a desvalorização no mesmo ritmo. ‘Com a desvalorização cambial generalizada, o exportador também será obrigado a negociar o preço de venda ao exterior, reduzindo o impacto da alta do dólar para quem compra’, diz.