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Para inserir o Brasil no século XXI

By 5 de novembro de 2014No Comments
Por Jorge Arbache
 

iStock/Getty Images

A OCDE publicou recentemente um interessante estudo cujo objetivo foi produzir séries históricas internacionais de educação. O estudo mostra que, em 1870, a escolaridade média da população brasileira acima de 15 anos era de 0,5 ano. Naquele mesmo período, Austrália, Estados Unidos e Canadá, países jovens como o nosso, tinham escolaridade média substancialmente maior: 3,1, 5,6 e 5,7 anos, respectivamente. Logo, enquanto a imensa maioria da população brasileira ainda era analfabeta, as daqueles países já tinham atingido níveis respeitáveis de escolaridade.

Cento e trinta anos mais tarde, a escolaridade média do Brasil era de 7,5 anos, marca relativamente mais próxima dos cerca de 13 anos de Austrália, Estados Unidos e Canadá. O problema é que esses países tinham atingido aquela escolaridade já no início do século XX, o que nos leva à perturbadora conclusão de que o nosso atraso educacional é de um século.

Por certo, são muitas as causas deste imenso retardo educacional, sendo a estrutura econômica possivelmente a mais relevante. Na condição de economia baseada na monocultura e no trabalho escravo, a realização de lucros no século XIX pouco ou nada dependia dos benefícios da escolarização da força de trabalho, o que, provavelmente, teria contribuído para que a educação permanecesse às margens das políticas públicas. Mas o fim da escravidão e a fundação da República pouco alterariam a situação da educação no país, que ainda continuaria estagnada por décadas, presumivelmente em razão da persistente centralidade da produção de commodities para a economia.

Nem a rápida urbanização, nem tampouco a industrialização observada no pós-guerra levariam à expansão significativa da educação. De fato, em 1950, a escolaridade média era de meros 2,4 anos; vinte anos depois, ela ainda estava em 3,8 anos. Uma possível explicação para este modesto avanço é que a indústria que então se desenvolvia ancorava-se no modelo de industrialização por substituição de importações voltada para o mercado interno e, portanto, pouco dependia da produtividade e da incorporação de novas tecnologias para se viabilizar economicamente.

O atraso educacional do Brasil nos deixou ao menos seis legados. Primeiro, na medida em que a educação está empiricamente associada à produtividade do trabalho, o nosso crescimento econômico passaria a depender basicamente da incorporação de mais força de trabalho e de mais estoque de capital. Não por acaso, tanto transformação demográfica como escassez de poupança explicam ao menos parte da desaceleração do nosso crescimento.

Segundo, na medida que a educação está empiricamente associada ao desenvolvimento e uso de novas tecnologias, a economia brasileira permaneceria tecnologicamente atrasada. Ao ser exposta à competição internacional, a indústria passaria a enfrentar dificuldades e a perder espaço na economia. O setor de serviços, notadamente o de consumo, expandir-se-ia e tornar-se-ia largamente predominante na economia, porém, criando empregos de baixa qualidade em razão da sua diminuta produtividade.

Terceiro, na medida que a educação está empiricamente associada ao rendimento do trabalho, grande parte da população seguiria percebendo salários baixos, o que ajudaria a explicar duas das maiores chagas do Brasil, que são a pobreza e a desigualdade de renda.

Quarto, na medida que a educação está empiricamente associada à geração e acumulação de riquezas, o nosso atraso educacional viria a contribuir para explicar a condição do Brasil de economia periférica.

Quinto, na medida que a educação também está associada empiricamente à incidência de crimes, condições de saúde, qualidade das instituições e estabilidade política, então o nosso atraso educacional viria a afetar a qualidade de vida e o ambiente para se fazer negócios.

Sexto, embora o hiato entre a nossa escolaridade média e a dos países ricos tenha diminuído, os custos econômicos deste hiato são, possivelmente, maiores hoje do que o foram no passado. A vigorosa disputa entre países emergentes por um ‘lugar ao sol’ na economia mundial, juntamente com a popularização das tecnologias de produção e de organização da produção, passariam a requerer trabalhadores cada vez mais qualificados até mesmo para desempenhar atividades laborais relativamente simples. De fato, escolaridade média de cerca de seis anos é considerada, hoje, insuficiente para que se atinja padrões mínimos de competitividade internacional.

O que fazer a esta altura? Para estancar o atraso econômico e social e avançar, será preciso tirar lições do passado, mas com o olhar no futuro. Para tanto, teremos que estimular, com muita determinação, o desenvolvimento de atividades produtivas que potencialmente mais valorizem todas as manifestações do conhecimento – de educação básica e profissional à ciência e tecnologia -, gerem muitos empregos de qualidade e que ajudem o país a se inserir nas cadeias globais de valor pela ‘porta da frente’. Esta atividade é a indústria.

Mas para que esta agenda tenha chances de sucesso será preciso, além de eleger o conhecimento como o alicerce do nosso crescimento econômico e do desenvolvimento social, também mobilizar e articular as políticas públicas em favor do trinômio investimento-produtividade-competitividade.

Certa vez, Paul Krugman disse que a produtividade não é tudo para o crescimento econômico, mas que, no longo prazo, é quase tudo. Uma adaptação desta reflexão para o caso do Brasil em pleno século XXI, o século do conhecimento, diria que a educação não é tudo, mas que, sem ela, não se vai a lugar algum.

 

Jorge Arbache é professor de economia da UnB. [email protected]

 

 

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