A propósito da política de proteção da indústria brasileira, que a presidente Dilma Rousseff acaba de defender em discurso na ONU, algumas considerações parecem, no mínimo, oportunas. À parte a discussão sobre se o Brasil é protecionista ou pratica ‘iniciativas legítimas de defesa comercial’, como definiu a presidente, a questão central é que nossa indústria tem baixa competitividade.
Isso, não somente por questões cambiais, mas por fatores estruturais, entre os quais estão, de um lado, a alta carga tributária, a péssima qualidade da infraestrutura, a baixa produtividade da mão de obra e os custos do trabalho e de financiamento. São os explosivos ingredientes do chamado ‘custo Brasil’, que torna nossa produção mais cara do que em outros países e potencializa os problemas de baixa competitividade.
Mas, de outro lado, é preciso não perder de vista o fato de que o setor tem uma péssima herança dos tempos de mercado fechado e protegido. Dos anos 1970 até 1990, era proibido importar tudo e esse gigantesco protecionismo garantiu à indústria uma enorme zona de conforto, que não exigiu modernização, uma vez que não havia concorrência externa e se dispunha de um grande mercado interno.
Desse período, o país herdou uma indústria automotiva sucateada até os anos 1990, o atraso tecnológico decorrente da Política Nacional de Informática dos anos 1970 e um passado de hiperinflação, até hoje na memória da população adulta. Resumindo: as restrições impostas aos produtos importados na fase protecionista retardaram o desenvolvimento empresarial no Brasil.
A partir do fortalecimento do real e da abertura da economia às importações, ficaram evidentes as graves deficiências produtivas de uma relevante parcela das indústrias. A abertura econômica teve impacto modernizante em alguns setores, que registraram importantes avanços tecnológicos, mas grande parte das indústrias ficou menos competitiva por várias razões e uma delas decorre, exatamente, da zona de conforto gerada pelo excesso de protecionismo.
Não por acaso, costuma-se dizer que o uso do cachimbo entorta a boca.
Quando o protecionismo prevalece, as indústrias tendem a se acomodar e deixam de investir em modernização, tecnologia e produtividade. Em vez de oferecer produtos de qualidade internacional, trabalham com custos altos e produtos ruins, comparativamente aos internacionais. Resultado: ineficiência em vez de produtividade, conspirando contra o crescimento do país.
A verdade é que continuamos pouco afeitos à competição e o governo, ao trilhar o caminho do protecionismo (ou das ‘iniciativas legítimas de defesa comercial’, como diz a presidente), pouco tem feito para reverter este cenário.
Vale lembrar algumas das medidas mais recentes, voltando há pouco mais de um ano, quando foi anunciado o decreto que aumentou em 30 pontos percentuais o IPI sobre veículos importados – e olhe que, isso para proteger uma indústria, toda multinacional, de importações de apenas 5,9% do total do mercado de automóveis!
De lá para cá, foram sobretaxados os tênis asiáticos de alta performance, impostos limites ao desembarque de carros mexicanos e continuam em análise pedidos de salvaguarda a diversos setores, como o têxtil e o de vinhos.
No início de setembro, o governo brasileiro anunciou a elevação das tarifas de importação de 100 produtos, entre eles pneus, químicos, móveis, petroquímicos e material de construção. A tarifa média de 12%, já bem acima da média mundial, passou para 25%. E outra lista, com mais uma centena de produtos, está sendo preparada para outubro.
Os aumentos ficam abaixo do teto de 35% estabelecido junto à OMC, mas em vários casos a restrição é duplicada, porque a ‘iniciativa legítima de defesa comercial’ vale também para mercadorias já protegidas por medidas antidumping.
A curto prazo, a restrição aos importados funciona às mil maravilhas para os setores protegidos, mas prejudica os consumidores, pois a concorrência reduz o poder de monopólio das empresas locais, e por extensão, os preços. Em um prazo mais longo, no entanto, a proteção contra a competição dos importados desestimula a economia brasileira como um todo, além de reduzir a eficiência e a competitividade do país.
Não nos enganemos: a queda na produtividade reduz a capacidade de as empresas de absorverem aumentos de custos sem repassá-los aos preços. Se os salários aumentam mais que a inflação, como vem acontecendo, fica mais evidente ainda a necessidade de se aumentar a produtividade e a competitividade da indústria.
Para isso, não basta desvalorizar o real, baixar os juros ou adotar ‘iniciativas legítimas de defesa comercial’, porque o crescimento da produtividade não se dá em um passe de mágica. Ao contrário, é uma construção realizada passo a passo, ao longo do tempo.
Essa construção exige investimentos em novas máquinas e equipamentos, que não apresentam cenário de retorno vantajoso no curto prazo, e na formação e treinamento da mão de obra, e exige redução dos vários impostos que estrangulam a produção. Também exige grandes investimentos em pesquisa tecnológica e em inovação.
A exposição à concorrência externa obriga nossas empresas a reduzirem custos, investir no processo de inovação e realizar alianças estratégicas. Essa busca de adequação aos padrões internacionais gera ganhos de qualidade e de produtividade, com reflexos na queda do nível geral de preços dos produtos. A concorrência internacional incentiva o desenvolvimento das empresas, gerando um nova dinâmica nas relações empresariais.
Veja-se o exemplo de nossa agricultura. Na última década, sua produtividade cresceu o dobro da média mundial, ou quatro por cento ao ano, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O rendimento de algumas culturas, como milho, arroz e trigo, aumentou bem mais do que em países produtores tradicionais, como Estados Unidos, Canadá, Japão e Rússia.
A soja, por exemplo, é um caso de absoluto sucesso. Começou a se espalhar pelo Brasil, a partir do sul, ao longo dos anos 60, e hoje, graças a um forte avanço tecnológico, caminhamos para produzir oitenta milhões de toneladas e ser o maior exportador mundial.
O setor não se acomoda: seu desafio continua sendo explorar novos limites para garantir mais produtividade e sustentabilidade. E a indústria?
Miguel Jorge, jornalista, foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior no governo Lula (2007-2010).