Por Sergio Leo
Quem se pergunta qual a importância, para o Brasil, de um candidato do país à
direção-geral da Organização Mundial do Comércio deveria refletir sobre outra
pergunta, mais relevante: qual a importância da OMC para o Brasil? É a resposta
para essa indagação que justifica o lançamento do diplomata Roberto Azevedo como
candidato ao comando dessa instituição multilateral. É também essa questão que
permite situar mais corretamente certas críticas fora de foco à estratégia de
negociação comercial adotada nos últimos anos pelo Brasil.
É frequente e equivocada a comparação entre o Brasil e países como Chile e
México, os brasileiros atrelados ao Mercosul, com uma rede medíocre de acordos
de livre comércio, e os outros dois (com Colômbia, Peru e outros) ligados a uma
rede em expansão de acordos de redução de barreiras comerciais. O primeiro
equívoco é atribuir a falta de acordos exclusivamente ao governo e à suposta
influência do ‘lulopetismo’ na estratégia comercial, como se não
fosse o influente setor privado brasileiro um dos maiores opositores, no
passado e mais ainda agora, à derrubada de tarifas e barreiras que orienta toda
negociação de comércio.
O exemplo mais conhecido do bloqueio do setor privado às negociações comerciais é
o acordo com o Conselho de Cooperação do Golfo, clube dos ricos países árabes
que chegou a concluir um acordo com o Mercosul, detonado, à última hora, pela
pressão da indústria petroquímica brasileira. Sem acordo, os árabes importaram,
nos dois últimos anos, mais de US$ 7,6 bilhões anuais do Brasil, cerca de um
terço disso em produtos industrializados. Para o lulopetismo, o acordo era
querido por motivos políticos e econômicos, ao servir de contraparte ao acordo
firmado com Israel e abrir espaço em um vigoroso mercado emergente. O
empresariado brasileiro não teve o mesmo ânimo.
Azevedo se apoia na experiência com as manhas de Genebra
Enquanto o Chile sustenta sua economia com exportações sobretudo de produtos primários
como cobre e pescado, e o México optou por vincular-se solidamente a segmentos
de menor agregação de valor da cadeia produtiva dos EUA, o Brasil tem diferente
estrutura industrial e distintos recursos naturais.
Grande produtor de commodities agropecuárias, que somam algo próximo a 30% do total
das exportações nacionais, o Brasil tem entre as principais barreiras a suas
vendas externas os programas de subsídios agrícolas dos países desenvolvidos e
a aplicação discricionária de barreiras técnicas – dois temas de difícil
solução fora de negociações multilaterais como a Rodada Doha, da OMC. Em geral,
são baixas as barreiras nos principais mercados a exportações de manufaturados
– a valorização do real faz mais estrago, nesses casos, do que qualquer
benefício com corte de tarifas de importação.
A situação singular do Brasil não deve servir de pretexto para se abandonar o
esforço por acordos comerciais, mas justifica a prioridade conferida às
negociações abrangentes da OMC. A existência de regras multilaterais de
proteção ao livre comércio interessa não só aos produtores como aos
consumidores brasileiros. São elas que moderam os apetites protecionistas
domésticos, e impõem limites e racionalidade a medidas governamentais voltadas
ao fechamento do mercado. Um país de comércio diversificado como o Brasil se
beneficia dessas regras, mesmo quando não derrota totalmente o protecionismo,
como ficou evidente no caso, vencido pela diplomacia brasileira, contra os
subsídios americanos aos produtores locais de algodão.
A candidatura de Roberto Azevedo está nesse contexto: seu discurso e a base da
difícil campanha brasileira à direção da OMC se apoiam na necessidade de dar
novo fôlego ao sistema multilateral de comércio. Ao defender a própria
candidatura para os membros da OMC, em Genebra, na semana passada, Azevedo
tentou provar que sua experiência nas negociações – respeitada e elogiada até
por adversários em disputas duras, como os EUA – permitirá a ele conduzir
pragmaticamente e eficientemente os novos capítulos da novela comercial
multilateral.
Não basta entender de comércio e ter experiência internacional, argumentou o
diplomata. É preciso conhecer a OMC por dentro, saber a história de cada
negociação, evitar a repetição de impasses antigos, saber se uma bronca resulta
de problemas reais dos governos ou de idiossincrasias de algum negociador.
Se falasse a brasileiros, Azevedo poderia ter dito que, para tirar o sistema
multilateral de comércio do impasse, é preciso não só resgatar jabutis das
árvores, mas saber quem e o que os colocou lá em cima. Ele, como nenhum dos
outros candidatos, pode fazer isso, por experiência própria com os quelônios
aéreos e os arbustos espinhosos do nº 154 da rue de Lausanne, em Genebra, sede
da organização.
A disputa pela direção da OMC ocorre às vésperas de uma nova reunião ministerial
para salvar a Rodada Doha, e, como deixou claro o atual diretor-geral, Pascal
Lamy, no Fórum Econômico de Davos, está se formando um consenso para deixar de
lado, pelo menos por enquanto, as grandes ambições de mudanças nas regras de
comércio agrícola e concentrar a negociação em um tema menos charmoso, mas
importante, a ‘facilitação de comércio’ – remoção de burocracia,
obstáculos de infraestrutura e ineficiências no trânsito de mercadorias,
especialmente nas alfândegas.
A facilitação comércio trará ao mundo metade dos benefícios que se esperava com a
rodada, garantiu Lamy, em Davos. Há controvérsias. O Brasil não quer que Bali
seja um ponto final da rodada, e insiste em incluir, pelo menos, temas como
regulamentação mais clara para cotas de importação e apoio aos países mais
pobres, para atender às novas exigências multilateriais.
Azevedo defende o próprio nome como o mais adequado, com maior experiência, para
conduzir essa reunião ministerial, em Bali, de forma a revigorar as regras
multilaterais de comércio. Quanto mais fracas essas regras, mais dependente o
mundo fica da lei dos mais fortes. O brasileiro não exagera ao falar da própria
capacidade. A dúvida é se seus potenciais eleitores estão, de fato,
interessados nesse projeto.
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