Por Marta Watanabe | De São Paulo
Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que o impacto da inclusão das barreiras não tarifárias em acordos a serem negociados pelo Brasil traz muito mais vantagens para o comércio do país do que negociações no modelo que tem sido perseguido, baseado principalmente na redução de tarifas. As barreiras não tarifárias são as exigências e restrições aduaneiras, técnicas e fitossanitárias impostas para a exportação de produtos.
Segundo levantamento do Centro do Comércio Global e Investimento da FGV-SP, os estudos mostram que um acordo preferencial com a União Europeia somente baseado em redução de tarifas daria origem a uma elevação da exportação brasileira para os europeus de 21,2%. As importações brasileiras com origem no bloco, porém, seriam elevadas em 43,7%. O ganho na exportação seria do setor agrícola, enquanto a importação afetaria principalmente o setor industrial, diz Vera Thorstensen, uma das autoras do estudo.
Mas se o acordo incluir também barreiras não tarifárias, a exportação brasileira para os países europeus avança, segundo o estudo, 97,5% e as importações, 101%. O estudo considerou que no acordo de livre comércio com a UE haveria a derrubada de 50% das tarifas agrícolas da UE. O Brasil retiraria 100% de suas tarifas industriais, com liberalização de 50%, nos dois lados, de barreiras não tarifárias – aduaneiras, técnicas e fitossanitárias. O estudo teve como co-autores os pesquisadores Emerson Marçal e Lucas Ferraz.
Isso acontece, diz Vera, porque mercados como os da União Europeia e Estados Unidos não se protegem mais com tarifas, e sim com barreiras não tarifárias. ‘O Brasil só tem olhado para tarifas e imposto de importação, mas nesses mercados as tarifas já são baixas. É preciso negociar as barreiras não tarifárias, que são as que impedem hoje a entrada de um produto’, diz Vera. ‘A discussão é completamente diferente’, acrescentou. É preciso, segundo ela, negociar acordos de reconhecimento mútuo. Assim os produtos já serão considerados dentro dos padrões e regras estabelecidos para que entrem sem pagar nada e sem precisar passar por órgãos de reconhecimento local.
Num eventual acordo com os Estados Unidos, diz ela, o efeito seria semelhante. Considerando somente negociação de tarifas, as exportações para os Estados Unidos subiriam 9,9% e as importações aumentariam 43,6%. Com barreiras não tarifárias, porém, as exportações cresceriam 93,5% e a importações, 112,4%. Os cálculos usaram os mesmos parâmetros aplicados em relação à UE. ‘Com a inserção das barreiras não tarifárias, os números explodem e os efeitos para importação e exportação ficam muito mais equilibrados.’
Vera destaca que o maior efeito das grandes negociações em curso no cenário mundial sobre o Brasil acontecem fundamentalmente em razão das barreiras não tarifárias. Ela exemplifica com o acordo Trans Atlântico de liberalização do comércio entre Estados Unidos e União Europeia (TTIP, na sigla em inglês). Levando em conta somente o corte de 100% das tarifas nesse acordo, o efeito para o Brasil seria de redução de 0,6% na exportação para esses dois mercados e de 0,4% na importação com origem das mesmas regiões. Considerando também a liberalização de 50% das barreiras não tarifárias, o recuo na exportação seria de 5% e na importação, de 3,9%.
Impacto semelhante deve ter a parceria Trans Pacífica (TTP, na sigla em inglês), atualmente negociada entre Estados Unidos e um grupo de 12 países. Entre eles, Canadá, México, Austrália e Japão. Segundo o estudo da FGV, o efeito da eliminação total de tarifas nesse mega acordo reduziria em 0,4% tanto as exportações quanto as importações brasileiras envolvendo os mercados em negociação. Com a liberação de 50% das barreiras não tarifárias, a redução da exportação seria de 2,7% e das importações, de 2,6%. Se a China aderir ao acordo, a queda é de 5% na exportação brasileira para o grupo de países envolvidos e de 4,7% na importação.
Para Vera, o estudo mostra que o Brasil precisa definir uma política externa que tenha como alvo regiões além dos países da África ou da América do Sul. Segundo ela, os estudos da FGV mostram que Estados Unidos e União Europeia são mercados importantes para que o Brasil saia do isolamento, faça acordos e se integre à cadeia global de valor. Ela acredita que tanto o acordo Trans Atlântico como o Trans Pacífico têm grandes chances de ser definidos.
‘A União Europeia tem interesse em fazer acordo com os Estados Unidos porque os países europeus estão perdendo espaço para a China no mercado americano. E os Estados Unidos visa a China ao tentar um acordo com os países do Pacífico.’ Ao mesmo tempo, diz ela, com um acordo com a União Europeia, os Estados Unidos, extremamente competitivos na área agrícola, irão, com as preferências em negociação, tomar espaço do Brasil.
Vera diz que, além de Estados Unidos e União Europeia, o México também é estrategicamente importante. Nesse caso, há interesse dos mexicanos em razão do setor automotivo. O acordo, porém, precisa ir além das tarifas e incluir barreiras não tarifárias. Para ela, a ampliação dos acordos demanda maior organização e pressão dos setores interessados. ‘O setor agrícola é um grande ganhador em praticamente todos os acordos e não vemos muita organização dele para ampliar os acordos.’