Por José Antonio Schöntag
Na sessão de 20 de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou o julgamento sobre a base de incidência do PIS e da Cofins na importação.
Estava sub judice o disposto no art. 7º da Lei nº 10.865, que havia estabelecido a base de cálculo da Cofins na importação como sendo igual à base de cálculo do imposto sobre a importação acrescida do ICMS, do PIS e da Cofins.
A alínea a, inciso III, parágrafo 2º do art. 149 da Constituição Federal dispõe que a base de incidência da alíquota ad valorem do PIS e da Cofins importação é o valor aduaneiro.
Por ser uma denominação conceitual já presente no direito tributário (desde a edição do Decreto-lei nº 37, de 1966), sendo a base de cálculo do imposto sobre a importação e apurado segundo as normas do art. 7º do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), entendeu o tribunal que a expressão valor aduaneiro consignada no art. 149 da CF era aquela (ou somente poderia ser aquela) que servia de base ao imposto sobre a importação.
Por tal motivo, e por unanimidade, o tribunal declarou inconstitucional o conceito de valor aduaneiro contido na Lei nº 10.865.
Considerada a decisão do tribunal, cabe indagar se uma lei tributária não pode alterar os conceitos tributários empregados na Constituição.
Há um artigo no CTN que trata exatamente desse tema. É o 110, que veda à lei tributária alterar a definição ou o alcance de conceitos de direito privado que tenham sido utilizados pela Constituição para definir competência tributária.
Significa que o legislador tributário não tem todos os graus de liberdade para alterar os conceitos constitucionais. De um ponto de vista jurídico, o art. 110 do CTN é a baliza restritiva da lei tributária nessa matéria.
A questão a responder, então, é se a lei tributária que instituiu a Cofins-Importação, Lei nº 10.865, infringiu o art. 110 do CTN. Se sim, ela é inconstitucional (ou, pelo menos, ilegal); se não, ela deveria estar em pleno vigor.
O legislador tributário não tem todos os graus de liberdade para alterar conceitos
Para responder a essa questão, que valeria R$ 34 bilhões segundo o Ministério da Fazenda, convém antes fazer uma breve digressão acerca das espécies de conceitos tributários usados na Constituição, com o objetivo de identificar aqueles que estão alcançados pelo art. 110.
Primeiramente, temos os conceitos usados com o objetivo de definir competência tributária e que são de uso exclusivo do direito tributário, ou seja, são conceitos não utilizados no direito privado. Pertencem a esta categoria, entre outros, produto industrializado e grandes fortunas.
Depois, há os conceitos constitucionais que definem competência tributária e que provêm do direito privado; não são, portanto, de uso exclusivo do direito público. É o caso, por exemplo, de exportação e propriedade.
Há também os conceitos que não definem competência tributária e que são de uso exclusivo do direito tributário. Nesta categoria estão faturamento e valor aduaneiro.
Finalmente, há os conceitos que não definem competência tributária e que provêm do direito privado, não sendo, portanto, de uso exclusivo do direito tributário. É o caso, por exemplo, de lucro e receita.
Essas categorias, por construção, abarcam todas as espécies de conceitos tributários usados na Constituição Federal.
Voltando ao Código Tributário, podemos concluir, em raciocínio a contrário senso, que sendo o art. 110 um dispositivo necessário, assim como também é qualquer outro dispositivo de lei em vigor, tendo vedado alterar somente uma das categorias de conceitos mostradas acima, autorizou a lei tributária, por esse fato, a alterar as outras três categorias. É uma conclusão incontestável, pois a não ser assim, ele seria um dispositivo inútil.
Em consequência, a lei tributária não pode alterar somente os conceitos que pertencem à segunda categoria, onde estão exportação e propriedade, por ser a única cujos conceitos provêm do direito privado e foram utilizados na Constituição Federal para definir competência tributária.
Nenhuma das outras três está alcançada pela dupla limitação do art. 110: produto industrializado e grandes fortunas, por que não são conceitos do direito privado; valor aduaneiro e faturamento, por que não são conceitos do direito privado e nem foram utilizados pelo constituinte para definir competência tributária; e receita e lucro, por que não foram usados pela Constituição para definir competência tributária.
Pode-se admitir, no limite, que o constituinte não foi muito feliz ao atribuir uma mesma designação a duas diferentes bases de cálculo (imposto sobre a importação e Cofins importação).
Mas isso não torna inconstitucional a Lei da Cofins importação. Até porque, assim como valor aduaneiro é uma base de cálculo de dois tributos aduaneiros, assim também valor da operação é base de cálculo de dois tributos internos, o IPI e o ICMS. Nem por isso alguém cogitaria considerar inconstitucional a denominação ou a definição da base de cálculo de um dos dois.
Estaria certo o tribunal, evidentemente, se a lei tributária houvesse alterado o valor aduaneiro base de cálculo do imposto sobre a importação. Mas isso ela não fez nem poderia fazer. A Lei 10.865, sabemos todos, apenas definiu um segundo valor aduaneiro, aquele que é a base de incidência da alíquota ad valorem da Cofins importação, com estrita observância ao disposto no citado art. 149 da Constituição Federal.
Comentados esses pontos, resta agora aguardar a ementa da decisão do tribunal, para se conhecer e avaliar mais especificamente seus fundamentos jurídicos.
José Antonio Schöntag é auditor fiscal aposentado da Receita Federal e coordenador de tributos da FGV Projetos
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