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Por Celso Figueiredo
e Equipe de Comércio Internacional da Barral M Jorge

Fonte: mlbforlife

A ameaça do presidente Donald Trump de sobretaxar mais de US$ 200 bilhões de produtos importados da China foi concretizada nesta segunda-feira (17/09), por meio da Casa Branca que anunciou o aumento em 10%, a partir de 24/09, da alíquota do imposto de importação a mais da metade dos produtos chineses, sendo que a partir de 1 de janeiro de 2019 a sobretaxa será elevada para 25%.
No mesmo dia, oficiais da Casa Branca reforçaram a posição de que os EUA poderiam aliviar a sobretaxação caso a China permitisse às empresas americanas maior acesso ao mercado chinês, bem como reduzissem a exigência de transferência tecnológica de empresas americanas à parceiros chineses na ocasião de instalação de suas subsidiárias em território chinês.
Ao que parece, as reclamações americanas não encontraram eco no governo chinês que, além de ter iniciado uma reclamação no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a sobretaxação americana, também anunciou por meio do Ministério das Finanças o aumento de tarifas sobre US$ 60 bilhões sobre um total de 5.207 produtos americanos como retaliação à iniciativa do presidente Donald Trump.
Esse movimento chinês praticamente inviabiliza uma nova rodada de negociações sobre as sobretaxações que estava para ocorrer ainda em setembro, afastando, por consequência, a possibilidade de um acordo a curto prazo entre os dois países.
Isto porque a própria Casa Branca já havia alertado em comunicado oficial que se a China adotasse medidas de represália contra agricultores e indústrias americanas, seria colocada imediatamente em ação a “fase três” da disputa comercial – isto é, sanções adicionais sobre outros US$ 267 bilhões (R$ 1,10 trilhão) em importações, sobretaxando, portanto, praticamente todos os produtos de origem chinesa.
O que antes parecia um blefe ou uma estratégia arrojada de negociação do governo Trump, de se utilizar de ameaças para sensibilizar a contraparte a abrir determinadas concessões, se transformou em um verdadeiro campo de guerra com ataques americanos e contra-ataques chineses que estão desestabilizando o ambiente do comércio internacional e deixando a comunidade internacional e mercado financeiro desnorteados.
No meio de todo este fogo, já é possível captar alguns sinais, que indicam algumas conclusões prévias.
A primeira é a de que este cenário de disputa comercial entre EUA e China não se trata apenas da intenção americana em preservar o produtor americano ou a sua propriedade intelectual contra as empresas chinesas, pois, ainda que tais questões façam parte da agenda, o que de fato parece estar em jogo é uma tentativa de reafirmação da liderança americana na economia global.
Em outras palavras, testemunha-se uma verdadeira ofensiva da potência hegemônica do pós-guerra fria para manter a sua posição proeminente frente ao crescimento econômico e geopolítico expansivo do gigante asiático.
Por conta deste cenário, chega-se à segunda conclusão, de que a presente guerra comercial provavelmente não será de curto prazo. Isto porque a China já se sente numa situação no mínimo de igualdade perante os EUA e vislumbra assumir a posição de líder global até 2050, tal como manifestado pelo presidente Xi Jinping durante o XIX Congresso do Partido Comunista da China.
Desta forma, dificilmente a China baixará a cabeça à ofensiva americana e, portanto, novas rodadas de ataques e contra-ataques podem acontecer até que se chegue a um ponto de exaurimento de uma das partes.
Ainda que neste meio termo existam momentos de arrefecimento dos embates – tal como as rodadas de negociações que vêm sendo mantidas entre os dois países – o certo é que economias menos pujantes e menos dinamizadas, tais como a do Brasil sempre estarão mais expostas aos reflexos negativos desta guerra.
Primeiramente porque o aumento de barreiras entre dois dos maiores mercados comerciais invariavelmente diminui os fluxos comerciais no mundo e ocasiona a desaceleração do crescimento econômico global.
Particularmente ao Brasil, tanto a China como os EUA são grandes parceiros comerciais e destino da maior parte das exportações brasileiras. Para a China, foram exportados em 2017 um montante de US$ 20 bilhões, sendo este país o principal destino das commodities brasileiras como soja, minério de ferro, açúcar, celulose, carne bovina e de frango. 
Já para os EUA foram exportados em 2017 um montante de US$ 26 bilhões, sobretudo em aviões, semimanufaturados de aço e alumínio e petróleo bruto. Neste sentido, uma retração do fluxo comercial com estes países incorrerá em perdas incomensuráveis à balança comercial brasileira.
Nesta esteira, a própria desaceleração da economia global causaria a adoção de medidas mais conservadoras por parte de investidores, que passariam a preterir o Brasil como o destino dos seus investimentos.
Em segundo lugar, ainda que de imediato o Brasil possa preencher algumas lacunas deixadas por chineses e americanos no comércio internacional, parece evidente que o nível de competitividade das empresas brasileiras, salvo o agronegócio, não será capaz de lidar com uma possível redistribuição das exportações de empresas americanas e chinesas. Isto porque a elevação das tarifas entre os dois grandes mercados induzirá por alternativas de escoamento das suas produções. 
E, na dificuldade de se escoar para as grandes economias, a alternativa será induzir a venda dos produtos por meio de políticas comerciais de incentivo à exportação e, possivelmente, de subsídios.
Neste sentido, recentemente a própria China – já em resposta à sobretaxação americana anterior que atingiu US$ 50 bilhões em produtos chineses – aumentou a alíquota de reembolso do imposto pago por empresas exportadoras para 397 produtos, desde lubrificantes até livros infantis. Em outras palavras, as empresas chinesas que exportam esses produtos pagarão menos impostos sobre valor agregado e, conseguirão ofertá-los por preços mais vantajosos. Dentre os produtos, encontram-se alguns produzidos pelo Brasil como, por exemplo, cabos de alumínio. No longo prazo, existe a possibilidade de alguns setores da economia brasileira serem devastados.
Em terceiro lugar, a escalada da guerra comercial entre EUA e China colocou de vez em pauta a reformulação do próprio sistema multilateral de comércio na forma da OMC, que foi a plataforma internacional da qual o Brasil melhor se utilizou nos últimos 20 anos para fazer valer seus interesses sobre as políticas protecionistas europeias e, principalmente, americanas.
Tendo em vista que não se sabe ao certo qual a proposta americana em relação à mudança na OMC, mas tão somente as suas críticas – que parecem indicar uma preferência pela implosão do sistema – resta incerto se uma futura reforma do sistema multilateral seria benéfica aos interesses brasileiros, uma vez que pode retirar a força do campo multilateral para estabelecê-los em relações bilaterais ou regionais. Neste último cenário, o Brasil claramente se encontra em desvantagem em relação às grandes economias globais, tendo em vista que protelou a iniciativa de negociações bilaterais e regionais em detrimento da preferência ao sistema multilateral.
Por fim, ainda que do ponto de vista americano se vislumbre que os EUA não podem perder a presente guerra, uma vez que a China tem a balança comercial mais dependente dos EUA e não o contrário, o certo é que, de forma geral, quanto mais longínquo for o embate comercial, mais danificada será a economia global, com inevitáveis perversos efeitos colaterais ao Brasil.