Por Daniel Rittner | De Brasília
Os países do Mercosul querem preservar espaço para a adoção de políticas industriais no acordo de livre comércio com a União Europeia e não abrem mão de manter autonomia para elevar tarifas de importação em segmentos incipientes da economia.
Para isso, o bloco sul-americano incluirá uma ‘cláusula da indústria nascente’ na troca de ofertas que fará, até dezembro, para a liberalização comercial com os europeus. O governo brasileiro entende que essa regra é fundamental para permitir o desenvolvimento de setores hoje inexistentes ou com produção ínfima no país. Normalmente, em acordos de livre comércio, esses setores são os primeiros a terem suas alíquotas de importação eliminadas – afinal, não há necessidade de protegê-los contra a concorrência externa, já que não existe fabricação nacional.
Se a cláusula da indústria nascente vingar, as tarifas poderão ser elevadas até o nível máximo permitido pela Organização Mundial do Comércio (OMC), mesmo que haja um compromisso entre os dois blocos para zerá-las em curto prazo. Trata-se de um trunfo que o governo brasileiro pretende resguardar para atrair indústrias de ponta que ainda não se instalaram por aqui.
‘Há um entendimento com os europeus, em princípio, de que vamos escrever uma cláusula’, afirma uma autoridade de Brasília que acompanha as negociações. De acordo com esse funcionário, não haverá um prazo para a extinção do mecanismo, mas ele deverá ser usado com bom senso e prudência. ‘O normal é que uma cláusula dessa natureza valha durante toda a vigência do acordo. Mas um setor nascente não pode se beneficiar eternamente desse tipo de disposição. Seria esquisito que um setor seja considerado nascente por 50 anos’, afirmou a fonte.
Um artigo no Gatt, tratado geral de tarifas e comércio que constitui a ‘bíblia’ da OMC, já abre brecha para esse tipo de política. É o artigo 18, que autoriza a adoção de medidas restritivas às importações por ameaça de desequilíbrio no balanço de pagamentos, mas nunca foi usado em acordos de livre comércio para proteger ‘indústrias nascentes’.
Uma cláusula semelhante chegou a ser proposta pelo Brasil em 2003, durante as negociações para a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que morreram logo em seguida.
O Mercosul também exige uma cláusula ‘clássica’, mas ‘robusta’, de salvaguardas no acordo com a UE. A menção ao termo ‘clássico’, nas negociações comerciais, significa que não haverá nenhuma restrição decorrente de variações nas taxas de câmbio. Por exemplo: mesmo que haja forte e súbita desvalorização do real ou do peso argentino, a UE não poderá impor barreiras contra produtos brasileiros ou argentinos. ‘Robusta’ quer dizer que haverá espaço para aumento de tarifas a fim de proteger setores que sejam prejudicados por eventuais surtos de importação de mercadorias europeias.
A Câmara de Comércio Exterior (Camex) já aprovou uma proposta de liberalização comercial que, no caso brasileiro, elimina as tarifas de 87% (em valores) das importações provenientes da UE. O Paraguai, que ainda está formalmente fora do Mercosul, e o Uruguai já costuraram ofertas que cobrem mais de 90% do comércio. A Argentina, no entanto, tem atrasado a elaboração de uma oferta em comum. O país vizinho demorou a iniciar um processo de consultas com o setor privado local e alega dificuldade em fazer concessões em meio a uma dura crise cambial. Por isso, sua última tentativa de definir uma proposta não conseguiu alcançar sequer 80% dos bens.
O governo brasileiro ainda tenta convencer seus parceiros no bloco a fazer uma oferta conjunta, mas vê como possibilidade cada vez mais iminente a apresentação de propostas diferenciadas, por país. Continuaria sendo um acordo Mercosul-UE, com regras e normas gerais válidas para todos, mas velocidades diferentes de liberalização comercial por cada país sul-americano.
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