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SÃO PAULO – Escolher um país do outro lado do mundo e com uma cultura diferente para dar início ao processo de internacionalização de uma empresa é uma aposta arriscada, mas foi justamente essa a estratégia da indiana Sterlite ao decidir desembarcar no Brasil. Desde abril do ano passado, quando começou a participar dos leilões de linhas de transmissão de energia, já se comprometeu a investir R$ 7 bilhões aqui.

Ela é uma das companhias do país asiático que, nos últimos anos, resolveram voltar suas atenções para a economia brasileira. O Brasil, por sua vez, tenta elevar as vendas de seus produtos para um dos mercados que mais avançam no mundo, com uma população de cerca de 1,3 bilhão de pessoas.

Pratik Agarwal, presidente global da Sterlite, explica que o Brasil apresenta não só oportunidades de investimento, como uma estrutura regulatória, na área de energia, que atrai o investidor estrangeiro. Como exemplos, cita os prazos longos dos contratos de concessão, geralmente de 30 anos, e a correção das receitas pela inflação, o que mitiga o risco de variação cambial.

— Nós escolhemos o Brasil devido ao tamanho das oportunidades no país, à necessidade de capital privado e às sinergias que encontramos. É um mercado que oferece uma configuração ideal aos participantes e um potencial de US$ 30 bilhões em projetos só em transmissão. É um mercado que nos deixa realmente animados — disse.

INCREMENTO DO COMÉRCIO

A empresa ficou com seis dos 20 lotes ofertados no último leilão feito pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), comprometendo-se a investir, só nesta fatia, R$ 3,65 bilhões. Além disso, já tinha saído vencedora em outros dois leilões no ano passado, com investimentos de R$ 3,36 bilhões. Essa parcela deverá subir, uma vez que é no Brasil que a Sterlite quer colocar boa parte dos US$ 4 bilhões (cerca de R$ 15,5 bilhões) que vai investir na América Latina. Nem mesmo a incerteza em relação a quem ganhará as eleições presidenciais parece incomodar o executivo.

— Os resultados políticos são sempre um risco, em qualquer país, mas acreditamos que o Brasil tem estruturas contratuais sólidas, que incentivam as empresas estrangeiras. Apesar dos desafios políticos, estamos à vontade para fazer fortes apostas no Brasil — afirmou.

A Sterlite não está sozinha. Nas próximas semanas, a ACG Worldwide deve inaugurar uma fábrica em Pouso Alegre (MG), que custou mais de R$ 350 milhões e será a maior da América Latina em produção de cápsulas para medicamentos. A Ranbaxy, que fabrica genéricos, também está no Brasil.

 

Elas se juntam a empresas que chegaram um pouco antes e já conseguiram consolidar sua participação no mercado brasileiro. É o caso da Novelis, controlada pelo grupo indiano Aditya Birla, que é líder em laminados e tem o maior centro de reciclagem de latas de alumínio da América do Sul. Só no ano passado, a empresa alcançou uma receita de mais de US$ 6 bilhões (R$ 23,2 bilhões) no país.

 

Leonardo Ananda, presidente da Câmara de Comércio Índia Brasil e cônsul-geral do país asiático, acrescenta que a relação pode ser ainda mais positiva para o Brasil. A corrente de comércio, superavitária para o Brasil, foi de US$ 7,6 bilhões em 2017 e deve crescer este ano. Ele acredita que, até 2025, a Índia será o terceiro principal parceiro comercial do Brasil — hoje é o décimo.

— As trocas comerciais estão muito voltadas para combustíveis e produtos agrícolas. Nosso objetivo é diversificar essa pauta. Há mais produtos, como leguminosas, que podem ser exportados para a Índia, assim como alimentos processados — disse.

O Brasil exporta muito açúcar, petróleo e pedras preciosas (esmeraldas, principalmente) para a Índia. Na outra mão, a Índia vende principalmente insumos farmacêuticos, diesel e especiarias.

Na visão de Ananda, produtos típicos brasileiros — como açaí, guaraná, pão de queijo e cachaça — têm apelo junto ao público indiano. Para isso, uma missão comercial brasileira será levada a Mumbai, em ação organizada pela Agência de Promoção de Exportações (Apex), para participar da maior feira de alimentos do país. Além disso, os dois governos trabalham em acordos para permitir essa maior integração — recentemente, o Brasil teve aval para exportar ovos e gado para produção de leite para a Índia.

E AINDA

— A Índia era um país que até 15, 20 anos atrás não possuía grandes varejistas, o que dificultava a importação de alimentos, já que não havia uma estrutura logística para distribuição. A formação dessas redes abriu espaço para produtos de outros países — explicou Ananda.

Weber Barral, sócio da consultoria Barral M. Jorge, também vê potencial para esse mercado, mas lembra que o Brasil, em alguns casos aliado ao Mercosul, terá de trabalhar para derrubar barreiras tarifárias e fitossanitárias.

— O comércio entre os dois países é pequeno comparado ao potencial. São dois grandes mercados consumidores. A parte de alimentos é onde o Brasil mais pode ganhar, mas há a questão das barreiras — disse, lembrando que o acordo em vigor, feito no âmbito do Mercosul, tem cerca de 800 produtos e há uma negociação para ampliar para mais de dois mil itens.

O interesse no mercado indiano é válido pelo potencial de consumo, afinal, a população é de cerca de 1,3 bilhão de pessoas. Além disso, é um dos países que mais crescem no mundo e deve manter esse ritmo nos próximos anos. Em 2017, a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) foi de 6,7%. Para este ano, é esperado um crescimento de 7,4% e, em 2019, de 7,8%, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI).

— As exportações até cresceram, mas ainda é um volume baixo para o potencial. O investimento é pouco e não é cruzado. Os dois países deviam buscar complementariedade nas cadeias de produção global — explicou o professor.

Como exemplo, citou o setor automotivo. Os dois países virariam competidores se um tentasse exportar seus automóveis para o outro. No entanto, podem trabalhar no fornecimento de produtos para essa cadeia, com cada uma das nações trabalhando nos itens automotivos e de autopeças em que têm maior eficiência.

 

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