Reformas econômicas de Cuba influenciaram no reatamento das relações com os EUA
Reformulação diminuiu o tamanho do Estado na ilha e foi adotada como tática de sobrevivência
O reatamento das relações diplomáticas com os Estados Unidos, pondo fim a mais de meio século de inimizade, deslanchou quando o governo comunista cubano anunciou reformas econômicas sob um receituário mais apropriado a nações capitalistas.
A ilha abriu-se a investidores estrangeiros, notadamente no turismo de resorts e hotéis em suas praias caribenhas, ao mesmo tempo em que reduziu o paternalismo estatal demitindo servidores públicos e cortando benefícios à população.
A influência econômica na reaproximação com os EUA surgiu com o 6º Congresso do Partido Comunista, realizado em Havana, em abril de 2011. Foi convocado para celebrar o cinquentenário da vitória sobre os exilados e mercenários que tentaram invadir a Baía dos Porcos, no sul da ilha, financiados por americanos. Serviu para encaminhar mudanças no país, justamente as que podem decretar o fim do isolamento.
As reformas devem ser creditadas ao atual presidente, Raúl Castro, que assumiu o comando do país a partir de 2006 em razão da doença do irmão mais velho, Fidel. Basicamente, a reformulação diminuiu o tamanho do Estado, que controlava mais de 90% da economia e empregava 85% dos trabalhadores. Sem capacidade para investir, a saída foi atrair empresas estrangeiras – o que agradou a países antes reticentes ao regime socialista dos irmãos Castro, desde 1959 no poder.
Cuba não mudou para se tornar mais simpática, mas para sobreviver. Isolada do mundo pelo bloqueio imposto pelos EUA em 1962, convertera-se em um museu. O turista pode se deslumbrar com os casarões antigos e a frota de Fords e Chevrolets que remonta às décadas de 1940 e 1950 – legado da época em que a ilha era o cabaré predileto dos americanos ricos em busca de diversão, rum e charutos.
Mas, e as famílias cubanas, vão continuar se amontoando em apartamentos por gerações? E como substituir uma peça de um calhambeque pifado, se os ajambres já não funcionam?
O país se ofereceu economicamente para não falir. A ajuda que vinha de outras potências externas foi congelada. Durante a Guerra Fria (1945-1989), a então União Soviética oferecia petróleo barato em troca de açúcar, mais para cutucar os rivais EUA. Calcula-se que a dívida com a atual Rússia passe dos US$ 20 bilhões – uma exorbitância impagável para os padrões cubanos.
Na política, pouco mudou
Os trabalhadores sentiram o maior impacto da guinada iniciada há quatro anos. Parte teve de sair do guarda-chuva do Estado e se virar para sobreviver. Motoristas de táxi, cabeleireiros e envolvidos em pequenos ofícios agora são autônomos e ganham o próprio sustento. Os cubanos também poderão alugar quartos para turistas e prestar serviços antes impensáveis, como engraxar sapatos.
Se a reconstrução econômica prospera, a política cubana está parada. Uma das resoluções do 6º Congresso do Partido Comunista era limitar a permanência no poder, para rejuvenescer o quadro de dirigentes do país. Detentores de cargos políticos não poderiam exercer mais de dois mandatos, em um total de 10 anos.
As modificações
Na economia
Abertura ao capital estrangeiro, permitindo que empresas se instalem na ilha.
Aposta no turismo, com a construção de hotéis, resorts, marinas, campos de golfe e condomínios de luxo.
Investimentos em tecnologia que possam gerar empregos e maior conhecimento científico.
Entrega de terras públicas para agricultores em regime de usufruto (utilização temporária e respeitando o direito do proprietário).
Criação de cooperativas não agrícolas, com mais autonomia a empreendedores privados.
Formação de conglomerados empresariais estatais mais parecidos aos existentes em países capitalistas.
No trabalho
Anunciada a demissão de 500 mil trabalhadores do serviço público. Antes, o governo empregava 85% da mão de obra.
Aumento na produtividade, elevando o nível de disciplina, empenho e motivação.
Vinculação dos salários à produtividade e ao resultado das empresas.
Redução do paternalismo estatal, cortando gratuidades e benefícios considerados excessivos à população.
Maior liberdade das empresas para definir cargos e salários.
Novos horizontes para as relações na América Latina
Uruguai, Venezuela e Brasil estão entre os que devem colher os maiores dividendos a partir da reaproximação entre Estados Unidos e Cuba. Esperado há décadas, o fim da divergência também deve facilitar as relações políticas e econômicas na América Latina. A sensação, entre analistas, é de que o continente se livrou de um fardo de 50 anos.
A política externa do Uruguai voltou a se destacar, pela percepção do momento. No dia 5, o presidente José Mujica lançou carta aberta aos uruguaios e ao presidente Barack Obama, pedindo que libertasse prisioneiros políticos cubanos e encerrasse o bloqueio. Até que ponto Obama ouviu Mujica, não se sabe. Mas a coincidência ocorreu.
Os ganhos serão concretos. Gabriel Petrus, da Barral M Jorge Consultores Associados, diz que o Mercosul e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) se revigoram. Deverá haver maior integração e fluidez nos negócios. A aposta é de que o Brasil se aproxime dos EUA, uma vez que foi removida a restrição diplomática contra o isolamento de Cuba.
Petrus observa que o papel brasileiro crescerá, porque Dilma Rousseff assumirá a presidência do Mercosul. Caberá à mandatária articular a projeção do bloco aproveitando o novo cenário.
– O discurso ideológico agora está contrabalançado – diz o consultor.
Aliada, Venezuela amplia espaço de influência
A Venezuela, por fornecer o petróleo que Cuba perdeu desde que a Rússia cortara a mesada, também se credencia. Brigadas de jovens venezuelanos foram à ilha auxiliar em trabalhos comunitários. Ao apoiar politicamente o governo de Raúl Castro, pode conquistar mais aliados entre os vizinhos.
Professor de Relações Internacionais da Unisinos e da ESPM, Diego Pautasso lembra que Cuba sinalizava com mudanças, após a saída de Fidel inspirada no modelo chinês de modernização. Segue comunista, mas se abre na economia.