Por Marta Watanabe | De São Paulo
Um cruzamento de dados mostra forte descompasso entre a produção industrial e a importação de matérias-primas e intermediários. O volume de importação de bens intermediários se acelerou no primeiro bimestre, com alta de 13,3% em relação a mesmo período do ano passado. O ritmo de crescimento é maior que os 8,9% de alta no ano passado, na comparação com 2012. No acumulado dos doze meses encerrados em fevereiro contra os doze meses anteriores, a elevação é de 10,1%.
Um ritmo mais acelerado no volume de importação de intermediários costuma refletir forte produção industrial, mas a comparação dos números mostra descompasso entre os indicadores. A crescente importação de intermediários não condiz com a produção física da indústria doméstica, que cresceu apenas 1,16% em 2013, na comparação com o ano anterior. Em janeiro, último dado disponível, a produção recuou 2,4% contra mesmo mês de 2013. Nos doze meses encerrados em janeiro a elevação foi pequena, de 0,5%. Os dados de importação são da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) e os de produção física, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para analistas de entidades como a própria Funcex e da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), os ritmos divergentes entre a produção industrial e o volume de importação de intermediários mostra que nesse tipo de bem ainda ocorre a substituição de produção doméstica por importados. ‘O descompasso entre as duas variáveis surpreende porque aponta a substituição de insumos domésticos por importados mesmo num período de desvalorização da taxa de câmbio real’, diz Daiane Santos, economista da Funcex.
Para Daiane, parte dos intermediários continua sendo comprada do exterior pela falta de fornecimento doméstico. Outra parte relevante, diz, ainda mantém preço competitivo em relação ao fabricado internamente, mesmo com a alta do dólar. Segundo ela, entre os grupos de intermediários com maior elevação de importação estão componentes eletrônicos, partes e peças para veículos, metalúrgicos não ferrosos e resinas elastômeras e fibras sintéticas.
Além da substituição dos intermediários nacionais por importados, diz Daiane, outra explicação seria a reposição de estoques, o que ela considera mais plausível para o setor de veículos, reboques e caminhões. A terceira explicação seria a expectativa de evolução mais favorável da produção industrial do que a esperada. ‘Mas essa hipótese é pouco provável.’
José Augusto de Castro, presidente da AEB, avalia que o descompasso é um reflexo de continuidade no processo de substituição de produção doméstica. ‘A desvalorização do real não é mais um processo novo e deveria já ter mostrado mais efeitos na importação’, analisa ele. ‘É preciso lembrar, porém, que a desvalorização cambial não acontece apenas no Brasil. Países que são importantes fornecedores também estão com a moeda desvalorizada’, explica. ‘O yuan chinês, por exemplo, voltou a se desvalorizar. Isso permite ao exportador da China cortar o preço em dólar, o que contribui para a competitividade de seu produto.’
‘Não só a China, como importantes fornecedores do Brasil são países emergentes, que também tiveram suas moedas desvalorizados. Isso faz com que o importador brasileiro pressione seu fornecedor externo por um corte do preço em dólar’, explica Welber Barral, ex-secretário exterior e sócio da Barral M Jorge Consultores Associados.
Segundo os dados da Funcex, os intermediários puxaram a queda de preços dos importados no primeiro bimestre do ano. O preço médio do intermediário recuou 5,1% no acumulado até fevereiro, na comparação com igual período do ano passado. Na mesma comparação, a redução de preço médio do total dos importados foi de 2,6%. ‘A queda de preço nos intermediários foi suficiente para neutralizar parte do impacto da desvalorização cambial sobre os importados’, diz Barral. ‘Isso pode ter permitido ganho de mercado do importado no mercado nacional.’
A combinação de alta de volume de 13,3% e queda de preços médios de 5,1% resultou em elevação de 7,4% no valor importado em intermediários no primeiro bimestre, nos critérios de classificação da Funcex. Também em valor, os intermediários puxaram os desembarques. O valor de importação total cresceu 3,6% nos primeiros dois meses do ano, contra igual período de 2013.
Castro lembra que a crescente importação de intermediários é um desafio maior para alcançar superávit comercial. Dentre as cinco categorias de uso de bens importados, os intermediários são os mais representativos dentro da pauta de importação. Eles respondem por 45% do valor total da importação brasileira. Ao contrário dos bens de consumo, cuja importação responde mais rapidamente a uma queda de demanda doméstica, diz Barral, os bens intermediários tendem a demorar mais para apresentar reação, já que a indústria tende a manter um nível mínimo de produção.
Desde o início de 2013 até fevereiro, os intermediários foram a única categoria de uso que manteve alta ininterrupta do volume de importação, levando em conta a comparação mensal contra igual período do ano anterior. Nos últimos meses, porém, o descompasso entre produção industrial e importação de intermediários se intensificou. Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) também mostram que no ano passado a participação de insumos importados na produção industrial brasileira bateu recorde e chegou a 24,3%. O avanço ante o ano retrasado foi de 2,2 pontos percentuais. Na indústria de transformação, o coeficiente avançou de 22,7% em 2012 para 24,9%.