O ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, defende intensificação de missões comerciais, que devem ser conduzidas de maneira sistemática, para ampliar as exportações de micro, pequenas e médias empresas brasileiras. Esse esforço precisa ser apoiado pelo governo federal, mas também há necessidade de que as empresas formem cooperativas.
Miguel Jorge, que atualmente é sócio-proprietário da Barral MJorge Consultores Associados, avalia que esse trabalho pode ser coordenado pela Secretaria das Micro e Pequenas empresas, a partir de um programa de exportação específico para impulsionar os pequenos negócios.
Segundo ele, para economia brasileira crescer, é preciso exportar mais e as companhias de menor porte podem fazer a diferença. Conforme dados do MDIC, em 2013, as microempresas exportaram US$ 196,5 milhões; as pequenas foram responsáveis por US$ 1,5 bilhão e as médias, US$ 7,9 bilhões. Esses três segmentos representaram menos de 4% do total das vendas externas brasileiras. Veja trechos da entrevista concedida ao Valor:
Valor: Por que ainda é incipiente a participação das micro, pequenas e médias empresas na base exportadora brasileira?
Miguel Jorge: As exportações concentram-se nas grandes empresas. Se analisarmos a fundo, cerca de 12 companhias são responsáveis pela maior faixa das vendas externas. As micro, pequenas e médias empresas têm uma participação mínima ou não são exportadoras porque não têm incentivos. É muito caro promover exportações. Infelizmente, não temos no país, nos governos federal e estaduais, praticamente nada para estimular as exportações dessas companhias, apesar do trabalho da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) e da atuação do Ministério das Relações Exteriores. Em comércio exterior, o país fica muito dependente das enormes empresas, principalmente das produtoras de minério de ferro, de soja e das indústrias automobilísticas.
Valor: Quais iniciativas podem ser tomadas para ampliar a participação das empresas menores no mercado internacional?
Jorge: Quando estive no governo, fizemos grande esforço para levar as pequenas e médias empresas ao exterior porque além de algumas dificuldades nos trâmites, é muito caro se preparar para exportar. Na época, usamos o avião da Presidência da República, o Boeing 707, o famoso ‘sucatão’, e levávamos cerca de cem empresários a cada missão internacional, sendo a metade deles de pequenas e médias. Fizemos mais de 10 ações deste tipo. Viajamos para diversos países do Oriente Médio, África, América Latina e América Central. Por exemplo, participaram das missões empresas que fabricavam doces no interior do Paraná, como goiabada e marmelada e, ainda, diversos produtores de mel do Piauí. Essas PMEs puderam ir porque o transporte era custeado pelo governo. Os donos das empresas só pagavam o hotel onde ficavam. Nós preparávamos nos eventos os estandes para vendas. Antes de partirmos, entrávamos em contato – junto com a Apex e MRE, com os potenciais importadores, convidando-os para esses encontros e feiras.
Valor: Havia resultados nessas viagens?
Jorge: Sim, muitas companhias tiveram sucesso. Uma pequena empresa do Recife acertou dois contratos grandes em Angola e em Moçambique para vender panos de limpeza. Lembro-me que a diretora da empresa tinha visitado Angola um mês antes da missão oficial, mas não tinha conseguido exportar nada naquela ocasião. Mas depois, ela e diversas outras companhias conseguiram vender porque tinham por trás o aval do governo brasileiro.
Valor: Então, o suporte governamental nessas viagens de negócios é fator crítico?
Jorge: É fundamental o apoio institucional, a figura do ministro dizendo que são empresas sérias e que vão cumprir contratos. E, para as pequenas e médias empresas, como eu disse, os custos de passagens e hospedagens das equipes são altos. Há necessidade ainda de um sistema de informações. Embora a Apex tenha ajudado muito nesse sentido, é preciso fazer mais e divulgar intensamente esses estudos sobre potenciais mercados para produtos e serviços brasileiros. Por exemplo, uma empresa que produz doces precisa de uma pesquisa consistente sobre os principais países compradores e a precificação aplicada nesses locais. Outra questão que envolve empresas de todos os portes é que elas contam com um mercado interno interessante. Para que ter trabalho com os processos de exportação se vendem bem no mercado doméstico? É preciso uma mudança cultural para que todas empresas acreditem que o mercado internacional é importante e apresenta boas oportunidades. Não é preciso ir longe, nem aproveitamos para vender para os países vizinhos como deveríamos.
Valor: Deve-se aumentar o número de missões comerciais diante de um cenário global um tanto conturbado, com a Europa e Estados Unidos em recuperação, tensão na Rússia, conflitos no Oriente Médio e a crise na Argentina?
Jorge: As iniciativas são isoladas, mas devem ser sistematizadas. Os cenários sempre são desafiadores. Por exemplo, depois da crise de 2008/2009, a situação ficou dificílima, mas foi nesse momento que aumentamos o número de missões. Quando está difícil, temos que trabalhar mais, buscar alternativas. Sou filho de libanês, minha família é do norte do Líbano, por isso esse perfil de mascate está no meu sangue. Penso que se a gente conseguir vender um frango a mais em algum lugar do mundo, será muito importante. E é fundamental sair para vender. Ninguém vem aqui importar, a não ser que o produto seja de alto interesse para os países em questão, como os chineses, que precisam do minério de ferro brasileiro. É preciso vender nos locais, levar os materiais de divulgação e as amostras. As empresas menores não conseguem fazer isso sozinhas e, na minha visão, têm que se juntar em cooperativas, em grupos ou associações, além de contar com forte apoio do governo. A Secretaria da Micro e Pequena Empresa pode coordenar esse trabalho. A primeira coisa a se fazer é sensibilizar algumas áreas do governo de que as empresas menores podem ser exportadoras. A partir daí, deve ser criado um programa de exportação específico.
Valor: O câmbio atual é favorável às exportações?
Jorge: A cotação do dólar está faixa de R$ 2,20 e, embora em patamar mais baixo do que já esteve no passado, não deveria ser um problema. Hoje, não vemos entidades empresariais como a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e outras queixando-se do câmbio. O patamar atual permite que as companhias exportem, mas isso só vai acontecer caso tenham condições para acessar o mercado lá fora.
Valor: O Brasil tem acordos comerciais suficientes?
Jorge: O Brasil está preso ao Mercosul e não pode fazer acordos paralelos com outros países. Mesmo o acordo entre o Mercosul e União Europeia não sai porque empresários colocam dificuldades, não querem produtos importados no país. Como o comércio é uma pista de duas mãos, as empresas brasileiras também ficam sem acesso a outros mercados nos quais poderiam vender produtos com impostos menores, de forma mais competitiva. O acordo entre Mercosul e a União Europeia foi jogado para frente. Novos acordos comerciais facilitariam muito porque nossa indústria não é competitiva em relação as de outras economias como as asiáticas.