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Montadoras rejeitam pressão da Argentina

By 19 de maio de 2014No Comments
Por Sergio Leo
 
Um grupo de senhores engravatados, velhos conhecidos nos gabinetes de Brasília, tem compromisso hoje no Ministério do Desenvolvimento, onde desembarca com más notícias para o governo. Em reunião com a secretária de Desenvolvimento da Produção, Heloisa Menezes, dirigentes da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) devem informar que não atenderão ao pedido oficial para que assinem um compromisso requisitado pelas autoridades argentinas. Os argentinos querem um acordo que obrigue as indústrias no Brasil a comprar um volume pré-definido de peças e partes no mercado vizinho. Não dá, avaliam as montadoras.

Os fabricantes de automóveis no Brasil parecem dispostos a ceder, em parte, a uma outra exigência. Eles começam a se conformar com a demanda argentina para a volta do regime anterior, de comércio monitorado, em lugar do livre comércio de automóveis, que vigora como previsto pelo acordo automotivo entre os dois países. O governo Cristina Kirchner quer a volta do chamado regime ‘flex’, pelo qual as vendas àquele país são limitadas a um percentual do total comprado em automóveis e peças, das fábricas argentinas.

Nesse item, o problema é a regra do comércio compensado, a ser estabelecido em um novo acordo automotivo. Até junho do ano passado, quando passou a vigorar o livre comércio no setor automotivo, os brasileiros podiam exportar aos argentinos até US$ 1,95 para cada US$ 1 importado; a Argentina quer retomar essa limitação, baixando a proporção para US$ 1,3 para cada US$ 1 em importações. A Anfavea, que, a princípio rejeitou o ‘flex’, já se mostra mais receptiva à ideia, mas apenas se a proporção voltar a ser a que vigorava até o ano passado.

Fabricantes não atenderão ao pedido de regime ‘flex’

A volta de um comércio limitado já é suficiente para que dirigentes do setor falem em ameaças aos investimentos programados pela indústria no Brasil. Mas a exigência de percentuais mínimos para compras de partes e peças da Argentina inspira adjetivos de maior cilindrada: ‘sabor bolivariano’ e ‘proposta leonina’ são algumas das expressões com que executivo do setor define o acordo que o governo brasileiro vem estimulando, para satisfazer os argentinos. Essa proposta, se aceita, pode, realmente, dar um sinal profundamente negativo do país para os investidores internacionais.

As queixas argentinas não saem do vácuo. De fato, o Brasil tem diminuído bem mais as compras de produtos do vizinho do que os argentinos reduziram as importações de produtos brasileiros; e, como reclamou recentemente o ministro da Economia argentino, Axel Kicillof, o México, ao contrário da Argentina, tem aumentado vigorosamente suas vendas de produtos automotivos ao Brasil.

A queda nas compras totais de produtos argentinos pelo Brasil foi de 21%, e as vendas para lá caíram 17%, no primeiro quadrimestre, em comparação ao mesmo período de 2013. Mas, até por intervenção do governo argentino, o comércio no setor automotivo afetou mais duramente os fornecedores de partes e peças brasileiros. As exportações brasileiras de autos ao vizinho caíram quase 22%, e as de partes e peças, 24,5%, de janeiro a abril. Já as importações brasileiras de carros argentinos caíram 24% e as de partes e peças, 21%. Os mexicanos, nesse mesmo período, venderam quase 30% mais em automóveis ao Brasil. O aumento nas compras de certas peças mexicanas foi colossal: 176% em ‘outras caixas de marchas’, mais de 500% em controladores eletrônicos de freios ABS.

Os mexicanos, porém, por intervenção da própria presidente Dilma Rousseff, que forçou a revisão do acordo automotivo com o México, têm limitadas suas vendas ao Brasil, a, no máximo US$ 1,64 bilhão entre março de 2014 e março de 2015. E a busca por partes e peças no México responde a circunstâncias de mercado: pressionadas pela queda na demanda e acúmulo de estoques nos pátios, as empresas têm promovido cortes brutais de custos; seria irracional comprar peças mais caras só porque o fornecedor é o sócio maior do Brasil no Mercosul.

As conversas sobre comércio com os argentinos começaram, no mês passado, sob ameaça do governo Kirchner de bloquear as importações de produtos brasileiros que não tivessem financiamento de longo prazo, para evitar a sangria de dólares numa economia carente de moeda estrangeira. O Brasil formulou rapidamente uma proposta de financiamento e garantias para permitir ao Banco Central argentino adiar em até três meses o repasse de dólares devidos aos exportadores brasileiros, mas as autoridades vizinhas mudaram o rumo da conversa.

Os argentinos queixam-se de que a proposta apenas facilitaria as vendas brasileiras e deixaria intocada a situação negativa da Argentina no comércio bilateral (que, neste ano, até o fim de abril, acumula um saldo de quase US$ 300 milhões favorável ao Brasil, mais de três vezes superior ao acumulado no mesmo período, em 2013). Para mudar esse cenário, argumentaram, só controlando o comércio de automóveis, que responde por quase a metade do comércio bilateral. Nesse ponto, a conversa atolou. E vai exigir muita criatividade em Brasília, para sair do lugar.

Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela UnB. É autor do livro ‘Ascensão e Queda do Império X’, lançado em 2014. Escreve às segundas-feiras

E-mail: [email protected]

 

 

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