Tribunal do Mercosul completa dez anos tentando fugir da irrelevância
Uma cerimônia discreta, em Assunção, marcará hoje o aniversário de dez anos do principal órgão de solução de controvérsias do Mercosul. A timidez das celebrações ilustra o esquecimento do Tribunal Permanente de Revisão (TPR), anunciado como um dos maiores avanços institucionais do bloco, mas que chega ao fim de sua primeira década tentando escapar da irrelevância.
Apenas seis laudos arbitrais foram emitidos desde 2004 e hoje o tribunal é pouco lembrado por empresários como instância viável para resolver litígios. Ele só pode ser acionado pelos governos de cada país, que têm preferido exercitar a tolerância ou usar os canais diplomáticos para lidar com barreiras comerciais dos vizinhos, evitando provocar constrangimentos uns aos outros.
‘Tivemos vários episódios em que a intervenção do tribunal teria sido crucial para garantir o cumprimento das regras no Mercosul’, afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, que representa um dos setores mais frequentemente prejudicados por barreiras argentinas. Ele lembra, porém, que o Itamaraty nunca considerou abrir litígios no TPR envolvendo a indústria calçadista. ‘Na tentativa de não criar embaraços, o caminho preferencial do governo [brasileiro] tem sido o da negociação e o da tolerância’, relata.
‘O tribunal poderia ser muito mais operante’, avalia o professor de direito internacional Umberto Celli, da Universidade de São Paulo (USP), um dos principais estudiosos do assunto no país. Segundo ele, a expectativa quando o mecanismo foi criado era que as soluções de controvérsias se revestissem de caráter técnico, minimizando a dependência de trâmites políticos. ‘Se o objetivo era dar um grau maior de institucionalidade ao Mercosul, isso não foi atingido.’
‘O Mercosul tem tido pouca evolução institucional desde 2001’, reconhece o consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, hoje um dos cinco árbitros designados para o tribunal permanente.
Em 2002, na esperança de fortalecer o bloco, foi assinado um acordo – o Protocolo de Olivos – que previa a criação do TPR. Ele passou a funcionar efetivamente em agosto de 2004, em edifício histórico da capital paraguaia, inspirando-se no mecanismo de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Até agora, houve laudos do tribunal envolvendo apenas três casos: a proibição de importação de pneus remodelados, o bloqueio de pontes fronteiriças entre o Uruguai e a Argentina e a suspensão do Paraguai do Mercosul.
Para o brasileiro Raphael Vasconcelos, que exerce o mandato de secretário do tribunal, não se pode falar em irrelevância do TPR. ‘A consolidação de tribunais internacionais leva tempo’, afirma Vasconcelos. Ele aposta na intensificação do acesso ao TPR depois de o Brasil ter regulamentado, em 2012, a possibilidade de que ele seja acionado como instância consultiva – sem caráter vinculante – pela Justiça comum, sempre que houver processos nos quais empresas alegam o descumprimento de regras por um dos sócios. É como se fosse um parecer independente.
Barral concorda e vê um futuro promissor no papel do tribunal de emitir essas ‘opiniões consultivas’ em processos judiciais. ‘É um trabalho fundamental para harmonizar regulamentações.’