O resultado das eleições de 2018 surpreendeu a muitos analistas políticos. Levando em consideração variáveis relacionadas às regras eleitorais – tempo de televisão, coligação, verba entre outros – não era impossível uma vitória de Jair Bolsonaro, mas também não parecia ser o cenário mais provável. Resultado: ele venceu. Agora estamos discutindo a governabilidade do futuro presidente levando em consideração, novamente, variáveis tradicionais – presidencialismo de coalizão, base de apoio, cargos nos ministérios… Será que há algo que não estamos considerando?
Apenas para esclarecer, quando se trabalha com cenários é possível utilizar as variáveis corretas e desenvolver o resultado mais lógico possível e mesmo assim errar o resultado. Por isso são cenários possíveis e se trabalha com probabilidade. Da mesma forma, é possível acertar o resultado com um chute ou com argumentos que não sustentam de fato o resultado obtido.
Bolsonaro ganhará a eleição presidencial porque a Lua estará em gêmeos.
O resultado está correto, mas os argumentos não.
Quais pontos nos ajudam a entender como se dará a governabilidade de Bolsonaro em 2019 e o relacionamento entre Palácio do Planalto e Congresso Nacional?
– Pouca experiência: A maioria dos aliados mais próximos e o próprio presidente não tem experiência com gestão pública ou cargos no Poder Executivo. A complexidade do sistema e a sensibilidade de qualquer tipo de fala ou ação podem gerar problemas para a equipe e levar a um “bate-cabeça” nos primeiros meses.
– Nova forma de governabilidade: A tentativa de fugir das práticas tradicionais do presidencialismo de coalizão é uma ação corajosa, porém arriscada. No regime democrático, nenhum governante abriu mão de distribuir cargos e emendas parlamentares em troca de apoio dos partidos no Congresso. Esse novo modelo pode demandar tempo até que os atores entendam seu funcionamento e definam sua posição.
– Novo Congresso: Com 50% do Congresso renovado, 20% de deputados neófitos e um novo reequilíbrio de forças partidárias no Legislativo teremos um novo cenário para 2019. Muitos deputados terão uma curva de aprendizado até entender como atuar no processo legislativo e os instrumentos disponíveis. Apesar de contarem com uma assessoria já muito experiente e qualificada, é o deputado que dita o ritmo. A mudança nos tamanhos dos partidos também levará a um novo relacionamento entre os mesmos e surgimento de novas articulações, que podem levar um tempo até sua consolidação.
– Superministérios e processo decisório: Teremos um novo processo decisório nos ministérios, que precisará ser testado na nova estrutura governamental em elaboração pela equipe de Bolsonaro. Além de termos 16 ministros que não são políticos, teremos ministérios com grande responsabilidade e que terão que demonstrar que a nova estrutura não ficará paralisada em função da grande quantidade de temas sob uma única pasta.
– A relação entre os diferentes núcleos do Governo Bolsonaro: Se não houver um alinhamento mínimo entre o núcleo familiar, militar, econômico e político a governabilidade tente a ser bastante prejudicada, em especial no que se refere a comunicação com o congresso e com a sociedade.
– Fragmentação partidária: A grande quantidade de partidos deverá dificultar a governabilidade do presidente. Mesmo que com a cláusula de barreira alguns partidos se fundam para manter os benefícios partidários, as lideranças podem continuar a existir informalmente ou sob acordo. Não necessariamente a fusão com um determinado partido fará com que os demais aceitem as medidas que forem impostas. A reforma política terá impactos mais palpáveis a longo prazo, contudo diminui a influência das legendas de aluguel e tende a racionalizar os custos de coordenação da coalizão.
Sentimento antissistema: o sentimento por parte da opinião pública contra os políticos tradicionais não sumiu com o resultado da eleição, mas aumentou. Bolsonaro e seus aliados tentarão usar as redes sociais para manter esse sentimento vivo, e conseguir o apoio da população para implementar a agenda de governo proposta pelo candidato. Desdobramentos de operações de combate à corrupção, como a Lava Jato, tendem a melhorar ainda mais a impressão antiestablishment de Bolsonaro (desde que não envolvam figuras do primeiro escalão do governo). Tal sentimento, entretanto, está diretamente associado a percepção de resultados positivos na sociedade e na economia. Sem um resultado positivo o sentimento antissistema pode se enfraquecer.
– Legitimidade da eleição: a legitimidade do mandato de Bolsonaro lhe dá um peso maior para tentar avançar com a agenda de governo em desenvolvimento. As críticas que existiam contra Temer, por exemplo, não poderão ser aplicadas ao presidente eleito. A eleição de governadores alinhados ao discurso de Bolsonaro potencializa o capital político do presidente eleito.
– Aliança com bancadas: as alianças com bancadas temáticas podem prover uma aliança pragmática para determinadas propostas. Medidas importantes e setoriais podem ser aprovadas usando essa lógica, a grande dificuldade é a sustentabilidade levando em consideração as prerrogativas das lideranças partidárias e a coesão dessas bancadas.
– Melhora na economia: após o pior da crise passar, há uma expectativa de que com a melhora da economia em curso os investimentos retornem e a geração de emprego assuma um ritmo mais acelerado. Tal movimentação influenciaria na aprovação da imagem do presidente e, consequentemente, sua força perante o Congresso. Sem a aprovação da reforma da previdência, entretanto, o otimismo do mercado pode se esvair.
O primeiro semestre será um período de muita cautela por parte do setor privado nacional e internacional. Ainda não é certo quais medidas serão implementadas nem como se dará de fato a articulação de Bolsonaro com o Congresso Nacional, fator fundamental para a aprovação da reforma da previdência.
Analisando os dados acima vemos que há uma chance real de Bolsonaro construir uma base de apoio ampla o suficiente para avançar com uma reforma da previdência, muito provavelmente não tão rápida ou profunda quanto o mercado espera. A utilização das redes sociais e o apoio de parte da opinião pública serão o grande trunfo do presidente eleito para enfrentar as demandas políticas dos atores com quem terá que negociar. Bolsonaro disse diversas vezes que não pressionará o Legislativo ou se envolverá em discussões que não lhe dizem respeito, aliados próximos, entretanto não são tão contidos quanto o presidente tem sido e podem gerar estresse na relação entre Planalto e Congresso.
Alguns pontos que podem favorecer a Bolsonaro são: a aprovação da reforma no primeiro semestre; novas investigações contra políticos tradicionais; apoio e pressão popular para a implementação da agenda do candidato; sucesso da governabilidade por bancadas; novas manifestações e mobilizações sociais chamando a atenção para temas que não estão na pauta no momento, entre outros.
Em um país cheio de surpresas com o Brasil e com um cenário instável prolongado, a melhor ação para o primeiro semestre de 2019 é esperar para ver como as coisas se assentam. Até lá, o cenário descrito acima pode e deve mudar. Afinal, tentar prever o futuro é o primeiro passo para que ele não se concretize.
Juliano Griebeler é Diretor de Relações Governamentais da BMJ Consultores Associados e Professor do IBMEC. Para acompanhar mais análises como esta, siga as páginas da BMJ Consultores Associados no Linkedin e Facebook.