Um novo espectro, além da crise argentina, ronda as contas do comércio exterior brasileiro: a deterioração da economia na Venezuela. Empresas brasileiras têm encontrado cada vez mais dificuldade em enviar mercadorias manufaturadas ao mercado venezuelano. E de receber o pagamento.
A escassez de divisas no país vizinho tem levado o governo de Nicolás Maduro a dar prioridade a bens considerados de ‘primeira necessidade’, o que afeta especialmente os industrializados vendidos pelo Brasil.
E a concorrência é feroz. É sintomático que, na semana passada, ao chegar em Caracas, para a reunião do Mercosul, as delegações dos países sul-americanos tenham sido saudadas, na estrada do aeroporto ao hotel, por bandeiras da China, país generoso em financiamentos ao governo Maduro e presidido por Xi Jinping, que havia visitado a Venezuela dias antes. Esquecer de trocar as bandeiras chinesas pelas do Mercosul é mais que uma gafe, é um claro sinal diplomático.
No primeiro semestre deste ano, as vendas totais brasileiras aos venezuelanos aumentaram quase 5,5%, mas impulsionadas pelo comércio de alimentos, carnes principalmente. As vendas de gado classificadas como ‘outros bovinos vivos’ e ‘outros animais da espécie bovina’ aumentaram mais de 80% no primeiro semestre, comparadas ao mesmo período de 2013. Já o total de vendas de produtos industrializados caiu 31%.
Para garantir a manutenção de máquinas e não perder clientes venezuelanos, empresas brasileiras são obrigadas a dar – não vender — peças e partes, enviadas ao mercado venezuelano como ‘amostra’. A dificuldade para fazer ingressar produtos manufaturados no mercado venezuelano afeta grande número de setores. As vendas de automóveis caíram 90% nesse primeiro semestre; as de partes de carroceria e de chassis para autos, quase 70%; as de laminados, entre 16% a 65%, dependendo do tipo.
Empresários evitam falar do assunto por não ver solução no curto prazo para o problema ou por temor de represálias. Mas, informalmente, se queixam de que gostariam de ver maior pressão do governo brasileiro sobre Maduro, para contornar as barreiras que, justiça seja feita, foram reduzidas sensivelmente para produtos como alimentos e material de construção.
Não é desprezível a importância da Venezuela nas contas externas do país. Desde 2007, o Brasil vende, anualmente, uma média de US$ 3,4 bilhões a mais do que compra do país vizinho. Neste ano, até junho, esse superávit comercial está em US$ 1,5 bilhão.
A demora na liberação de importações de partes e peças, provocada pela dificuldade venezuelana em garantir divisas em moeda forte para suas compras no exterior, ameaça a reputação de autos, máquinas e equipamentos brasileiros, que começavam a ver na Venezuela uma opção importante de internacionalização.
A concorrência não se limita aos chineses: há sinais claros de que o governo local tem favorecido os fornecedores da Argentina, país que foi socorrido financeiramente por Hugo Chávez (presidente da Venezuela, morto em 2013) no auge da sua crise financeira no começo da década passada e hoje, em retribuição, busca mecanismos de trocas comerciais sem necessidade de uso do dólar, moeda escassa nos dois mercados.
Até empresários mais engajados nas relações bilaterais já admitem que enfrentam problemas para manter seus negócios. ‘Só um louco abandonaria a Venezuela; é um mercado muito importante’, afirma Jair Bottega, dirigente da fábrica de implementos agrícolas Vence Tudo, um entusiasta do comércio com o país vizinho, para onde vende 20% de suas exportações.
Bottega defende que o Brasil crie mecanismos de financiamento independentes do dólar, para sustentar as vendas ao país de Maduro. Sem uma negociação com os venezuelanos, há o risco de se perder todo o esforço dos últimos anos para conquista daquele mercado, afirmam empresários do setor. Sem alguma iniciativa entre os governos, o Brasil está sujeito a ver outro de seus importantes mercados de exportação de manufaturados encolher e perder qualidade.
O embaixador Rubens Barbosa, um dos principais assessores do candidato do PSDB à presidência, Aécio Neves, pede para esclarecer, a propósito da coluna da segunda-feira passada, que as mudanças no Mercosul defendidas pelos tucanos não incluem a proposta de acabar com a união aduaneira no Mercosul, que obriga os sócios a manter uma tarifa de importação comum para uma lista de produtos – e impede negociações de livre comércio independentes.
O PSDB, afirma, que não fará o Mercosul reverter à condição de área de livre comércio, na qual há tarifa zero dentro do bloco, mas políticas independentes em relação a terceiros países. A coluna dizia que Aécio chegou a incluir informalmente a idéia de trocar união aduaneira por área de livre comércio, como afirmou o próprio candidato em diversas ocasiões, inclusive ao Valor. Seus conselheiros lhe mostraram que é grande o clube dos empresários contrários à proposta.
Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela UnB. É autor do livro ‘Ascensão e Queda do Império X’, lançado em 2014. Escreve às segundas-feiras
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