por Assis Moreira | De Genebra
O G-20 agrícola, grupo coordenado pelo Brasil, começou a manifestar inquietação na Organização Mundial do Comércio (OMC) com os rumos do pacote de liberalização que está sendo costurado para o fim do ano em Bali, na Indonésia. Sobretudo os países latino-americanos do grupo, que são exportadores agrícolas, reclamam que outros temas parecem estar fazendo progresso, como facilitação de comércio, mas a parte agrícola ficou para trás.
O sinal de alerta cresceu quando restam apenas quatro semanas do prazo fixado pelo diretor-geral, Roberto Azevêdo, para os países delinearem compromissos, para evitar o fiasco de Bali. Já outros parceiros acham que todos vão sair ganhando com um pacote de medidas para reduzir burocracia nas aduanas, que, afinal, ajudará o setor privado a reduzir em pelo menos 10% seus custos.
O Brasil tem avisado que é preciso equilíbrio no pacote geral. O nível de ambição de liberalização não pode ser dois em um caso e dez em outros, por exemplo, na comparação entre medidas para reduzir burocracia nas aduanas e alguma medida para facilitar o comércio agrícola. ‘Precisamos ter alguma coisa em Bali’, acrescenta o embaixador do Uruguai, Francisco Pires.
Para piorar, os EUA apareceram com uma proposta sobre a cotas tarifárias agrícolas, que envolvem bilhões de dólares de comércio. E isso pode levar a um confronto com a China, e bloquear o pacote de Bali. A questão tem raízes no Acordo de Agricultura da Rodada Uruguai, de 1995, quando países exportadores conseguiram incluir algumas regras para tentar melhorar o acesso ao mercado internacional de produtos agrícolas.
De um lado, restrições não-tarifárias impostas sobre produtos agrícolas foram substituídas por tarifas. Além disso, foram criadas cotas tarifárias – ‘tariff rate quotas’, em inglês – que permitem importações com tarifas mais baixas (tarifa intracota) dentro de uma quantidade especificada (cota), e importações adicionais com tarifas mais altas (tarifa extracota).
Desde então, o uso de cotas tarifárias disseminou-se, inclusive em países em desenvolvimento. As cotas garantem um mínimo de acesso a mercados protecionistas para produtos como carnes e açúcar do Brasil, por exemplo. O problema, porém, é que o acesso normalmente oferecido por meio da cota é quase anulado pela forma como ela é administrada pelo país importador. Assim, raramente as cotas são preenchidas.
A proposta do G-20 requer que os países notifiquem a OMC sobre o preenchimento das cotas. E estabelece um mecanismo de revisão para as cotas que não foram preenchidas até 65% do total. Se a taxa de uso continuar abaixo desse percentual por três anos consecutivos, o país impondo a cota deverá facilitar a importação do produto em questão de maneira automática. Já países em desenvolvimento teriam Tratamento Especial e Diferenciado (TEC) na administração de suas cotas, mas igualmente ficarão submetidos à pressão para facilitar o preenchimento dessas cotas.
Agora, os EUA propõem acabar justamente com esse tratamento diferenciado para os países em desenvolvimento. Eles defendem um mecanismo de consulta para o volume das cotas ser preenchido automaticamente após dois anos de consultas no caso de países desenvolvidos e após três anos no caso de países em desenvolvimento.
Ocorre que, se cair o tratamento diferenciado, a China já avisou que não tem mais conversa e portanto acordo nenhum. Pequim impõe um amontoado de cotas para frear importações e quer continuar tendo liberdade para administrá-las. Assim, sobretudo os latino-americanos do G-20 veem o risco de rompimento de um entendimento sobre o tema.
Quanto a subsídios à exportação, outro tema importante para o G-20, na sexta-feira surgiu pela primeira vez a ‘percepção’ de negociação ‘real e construtiva’ após meses de impasse. Um acordo em 1995 em Hong Kong previa a eliminação desses subsídios no fim de 2013, em caso de conclusão da Rodada Doha. Como isso não aconteceu, a briga agora é pelo menos para se obter um compromisso político em Bali de que isso realmente ocorrerá em algum momento no futuro.
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