A desorganização do setor elétrico mandará uma fatura dolorosa para a competitividade da indústria brasileira nos próximos meses. Levantamento inédito obtido pelo Valor demonstra que, até o fim de 2015, o Brasil deve passar do 11º para o 4º lugar no incômodo ranking de países com as tarifas industriais de energia mais caras do planeta.
Caso se confirmem os reajustes esperados, as contas de luz na porta das fábricas vão ficar 43% acima do patamar verificado antes da polêmica MP 579, medida provisória que a presidente Dilma Rousseff editou em setembro de 2012 justamente para derrubar os custos da eletricidade e melhorar a competitividade das empresas.
Com isso, a Firjan prevê que todo o desconto propiciado pela MP 579 terá sido eliminado no segundo semestre. Quando assinou a medida provisória, Dilma disse que a redução das tarifas de energia era ‘um dos pontos importantes da nova etapa do nosso modelo de desenvolvimento’ e afirmou que seu governo estava ‘mudando as bases competitivas’ do país, lembrando aspectos como juros em ‘níveis civilizados’ e a inflação ‘sob controle’.
Com esse pacote, a tarifa média paga pela indústria caiu de R$ 332,2 para R$ 263. O ganho será totalmente corroído até o fim deste ano, mas o estrago maior virá em 2015, quando começa a devolução, pelos consumidores, dos aportes do Tesouro Nacional e do empréstimo de R$ 11,2 bilhões da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) para evitar a insolvência financeira das distribuidoras e aliviar os aumentos recentes das contas de luz.
Para o ano que vem, a estimativa da Firjan é de novos reajustes da ordem de 17% e um adicional das chamadas ‘bandeiras tarifárias’, que começam a vigorar em janeiro. Por esse sistema, o impacto do acionamento das usinas térmicas será sentido imediatamente, em caso de hidrologia desfavorável. Isso levará o valor do megawatt-hora para R$ 420,2 até o fim de 2015, segundo a federação, o que seria suficiente para o país ultrapassar as tarifas médias da indústria em outros sete países: Japão, México, Portugal, El Salvador, Turquia, República Tcheca e Colômbia. Os industriais brasileiros vão continuar pagando menos apenas do que seus colegas em Cingapura, na Itália e na Índia.
‘É um verdadeiro desastre’, diz o gerente de competitividade industrial e investimentos da Firjan, Cristiano Prado. Para ele, a alta dos preços da energia vai se refletir em mais pressão sobre as margens da indústria e dificuldades adicionais para as exportações.
Prado avalia que uma solução de emergência para atenuar o problema é mexer nos impostos e tributos do setor, principalmente no ICMS e PIS/Cofins. ‘Eles representam quase 50% do valor das tarifas. No curto prazo, o que se pode e se deve fazer é trabalhar sobre a carga tributária. Ou atacamos esse ponto, para não deixar o paciente morrer na UTI, ou a indústria viverá um drama de competitividade no ano que vem.’
Empresas com demanda superior a 3 MW podem comprar energia diretamente no mercado livre, escolhendo seus fornecedores, e têm normalmente contratos de longa duração com as geradoras. Uma série de grandes contratos no polo industrial da Bahia, por exemplo, chega ao fim em 31 de dezembro. O Valor apurou que eles foram assinados entre companhias de setores como petroquímico e metal-mecânico com a Chesf, subsidiária da Eletrobras, por valores próximos de R$ 110 por megawatt-hora.
Há uma preocupação crescente das indústrias com as perspectivas de renovação. Com a disparada de preços no mercado de curto prazo, geradoras estão oferecendo novos contratos de três a cinco anos que começam em R$ 300 por megawatt-hora e vão caindo ao longo do tempo, chegando ao patamar de R$ 200 no fim do período. Por isso, as negociações estão travadas e espera-se que a volta das chuvas possa diminuir um pouco esses preços.
A alta dos custos da energia para a indústria no Brasil tem contrastado com medidas adotadas por outros países. A França, por exemplo, resolveu destinar 25% da eletricidade produzida por suas usinas nucleares – com investimentos já amortizados – ao setor industrial, com preços diferenciados. O Estado de Nova York, nos Estados Unidos, também tem um programa específico de redução de custo do insumo que visa manter e criar empregos. O ‘ReCharge NY’, criado em 2011, destinou 910 MW de energia de baixo custo para empresas da região – sendo metade desta quantia proveniente de hidrelétricas amortizadas.