Nas ruas de Caracas, capital da Venezuela, lojas saqueadas e prateleiras vazias são os sinais mais concretos de uma economia doente. Mergulhado numa de suas maiores crises, o governo do presidente Nicolás Maduro tenta conter uma onda de insatisfação crescente, que ameaça o grupo de poder atual, incapaz de responder aos desafios da queda de preços na sua principal fonte de riqueza: o petróleo. Em diferentes frentes, há sinais recentes de maior instabilidade, desde a intensificação dos protestos de ruas, até o anúncio da saída da Organização dos Estados Americanos (OEA), passando por novas retiradas de operações de multinacionais.
Para o Brasil e as companhias nacionais que atuam ou vendem ao outro lado da fronteira, o momento é de distanciamento na parceria. A onda de protestos ganhou força nas últimas semanas, após a decisão do Tribunal Supremo de Justiça, ligado ao governo, de assumir as competências da Assembleia Nacional, controlada pela oposição. O ato foi revogado, mas exacerbou a insatisfação dos movimentos contrários. As últimas manifestações pró e contra o regime deixaram ao menos 26 pessoas mortas e pouco mais de 500 feridos, segundo o Ministério Público local.
A OEA convocou seus membros a apreciar a proposta de uma reunião sobre a crise. O evento, que pode resultar numa punição ao país, foi apoiado por 19 dos 34 integrantes da entidade, entre os quais o Brasil. Como resposta, a chanceler venezuelana, Delcy Rodríguez, anunciou, na quarta-feira 26, que pretende deixar a entidade, em mais um sinal de isolamento internacional. Numa resolução aprovada na quinta-feira 27, o Parlamento Europeu condenou a violência dos protestos e apelou ao governo venezuelano a garantir o “pleno restabelecimento da ordem democrática.”
A sensação de perda de riqueza é combustível à massa de descontentes. Após o período de bonança da década de 2000, em que as cotações romperam a barreira de US$ 100, o petróleo ronda hoje os US$ 50. O produto responde por 96% das exportações, metade das receitas do orçamento público e é praticamente a única fonte de entrada de dólares. A escassez de moeda estrangeira e o controle do câmbio provocaram um desarranjo generalizado na economia, gerando falta de insumos para a produção e desabastecimento de itens essenciais, como papel higiênico e medicamentos.
Em pesquisa da Confederação Venezuelana de Indústrias (Conindustria), 85% dos empresários citaram a falta de matérias primas como o maior fator restritivo nas fábricas. No bolso da população, as distorções são sentidas na forma de uma inflação perversa, que deve superar os 700% , segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). A economia deve sofrer um novo tombo, de pouco mais de 7%, após uma queda de 18% em 2016. No horizonte do FMI, o PIB deve continuar negativo até 2022. Para o Brasil, a crise significa a perda de importância de um dos seus maiores parceiros comerciais.
Segundo o ex-secretário de Comércio Exterior e sócio da consultoria Barral M Jorge, Welber Barral, indústrias brasileiras de itens de primeira necessidade estão aumentando seus preços e exigindo 60% do pagamento antecipado – 30% adiantado e 30% no embarque. Nas estimativas de Barral, a inadimplência aos exportadores brasileiros gira em torno de US$ 2 bilhões. “Empresas com operação mais complexa, como autopeças e linha branca, estão reduzindo seus negócios ou descartando definitivamente o país.”
A dificuldade de repatriar recursos já havia levado a Gol a interromper os vôos a Caracas no início do ano passado. A LATAM também suspendeu as rotas que mantinha para a capital venezuelana. “As empresas do grupo LATAM consideram a Venezuela um mercado relevante e, por isso, trabalharão para a retomada dessas operações assim que as condições permitam”, se pronunciou a empresa por meio de sua assessoria de imprensa. Entre grupos globais de peso, a mais recente saída foi anunciada pela General Motors.
INVESTIMENTOS Nos últimos anos, a Venezuela vinha atraindo atenção de grupos brasileiros interessados em estabelecer operações no vizinho. Os investimentos subiram de US$ 218 milhões, em 2007, para US$ 2 bilhões, em 2015, segundo dados da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais (Sobeet). “Desde então, o número de investidores não cresceu. Não há novas empresas se estabelecendo por lá”, diz Luis Afonso Lima, diretor-presidente da Sobeet. Para quem apostou no passado, a luta hoje é penosa.
A rede de depilação brasileira Depyl Action, que fatura RS$ 110 milhões, mantém, desde 2007, duas lojas em Caracas. Até hoje, o grupo não conseguiu repatriar os recursos ao Brasil, mas a decisão de permanecer se mantém diante do potencial do mercado venezuelano. “Quando há manifestações, precisamos fechar as lojas mais cedo”, diz Queli Karsten, responsável pelas franquias. “Os produtos à venda são quase inacessíveis para a maioria da população. Muitas empresas estão fechando as portas e demitindo.” Não é possível saber ainda como e quando terminará a crise. O que está claro entre os especialistas é que a situação se agravou de forma perigosa.
Para o embaixador Marcos Castrioto de Azambuja, membro do Conselho Curador do Centro de Relações Internacionais (Cebri), o país está “contra as cordas” e numa situação que merece atenção do Brasil. “Está numa crise da qual não sairá sem uma mudança de regime. Que seja constitucional e não leve a uma guerra civil.” Apesar disso, ele acredita numa retomada da parceria comercial com o Brasil no futuro. “No curto prazo, há um colapso de contas, mas a importância da Venezuela, como sócia, como parceira, continuará lá.” Aos empresários brasileiros, resta buscar a compensação temporária em outros mercados.