Em viagem à China nesta semana, o presidente Michel Temer concentrou suas energias em passar a imagem de que bons ventos voltaram a soprar no Brasil. Acompanhado de uma caravana de ministros, o presidente procura investidores para o último pacote de privatizações anunciado na semana passada.
São 57 projetos em que o governo espera levantar 44 bilhões de reais. O peemedebista disse estar “impressionado com o apetite” dos chineses. Neste sábado e domingo, a “venda” de ativos continua, quando o presidente participa de reuniões dos Brics.
O carro-chefe da agenda positiva foi o aumento do PIB, anunciado pelo IBGE nesta sexta-feira. A alta de 0,3% no segundo trimestre de 2017, em relação ao mesmo período de 2016, o primeiro avanço em três anos. Além disso, o desemprego voltou a cair, para 12,8%.
“Vocês viram que o PIB teve uma boa solução, enfim, revelando aquilo que nós estamos revelando ao longo do tempo, que o Brasil está crescendo, está se recuperando”, disse Temer. Para o IBGE, crescimento percentual de PIB inferior a 0,5% não pode ser considerado recuperação da economia. O desemprego caiu, mas foi vitaminado por vagas informais: 468.000 foram sem carteira assinada e 351.000 são autônomos. Saímos da recessão, mas falta muito para um crescimento robusto nos próximos trimestres.
É neste contexto ambíguo que o governo tenta impedir que as nuvens pretas da insegurança política voltem a rondar Brasília. Na semana que se inicia, no mais tardar na próxima, uma nova denúncia por obstrução de Justiça e organização criminosa contra o presidente Michel Temer deve ser entregue pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Temer estuda até antecipar a volta da China, prevista para a terça-feira 5. Dali em diante, será uma briga entre as flechas de Janot e as defesas de Temer e seus aliados. O procurador-geral deixa o cargo no próximo dia 17. Quando o assunto é Operação Lava-Jato, Janot apresentou 24 denúncias e 178 inquéritos contra políticos, além de fechar 159 acordos de delação premiada no Supremo — dados de julho, os mais recentes disponíveis na PGR. O número é ainda maior, considerando que o procurador-geral pisou no acelerador no último mês.
Além do próprio Temer, seu trabalho gerou retaliação de figuras como Renan Calheiros (PMDB-AL), que responde a 17 processos no Supremo, Romero Jucá (PMDB-RR), com três denúncias entregues só na última semana, e Aécio Neves (PSDB-MG), com nove inquéritos, cinco deles pela lista da Odebrecht, e envolvido no pedido de 2 milhões de reais a Joesley Batista dentro da delação da J&F.
Com as operações atingindo peixes graúdos do Congresso, de diversos partidos, Janot acumulou desafetos. A cada denúncia aos aliados do governo, mais estresse sobre a governabilidade. No Supremo, as flechas sobre políticos têm sido, até aqui, inócuas. Mesmo com o aperto no passo de Rodrigo Janot, a Corte não condenou nenhum político com foro privilegiado na Lava-Jato.
O efeito se mostra em números. Em tradicional pesquisa de confiança em instituições, feita pela Fundação Getúlio Vargas, o índice de credibilidade no Judiciário caiu de 29% para 24% em um ano. O Ministério Público passou de 44% para 28%. “A sensação de pizza desmoraliza o Judiciário. Alguns ministros, há meses, têm se colocado contra a Lava-Jato para proteger a ‘estabilidade de governo e econômica’. Isso rompeu com a harmonia que havia no Tribunal, que havia adotado discurso moralizador da política”, afirma Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do projeto Supremo em Pauta. “Há uma forma de disputa interna em relação ao andamento da Lava-Jato”.
É certo que cada ministro tem alguns milhares de processos sob sua jurisdição, mas há acordos entre ministros para colocar matérias em pauta. A divisão entre os integrantes da Corte e das turmas é fator determinante para a escolha das matérias a colocar em julgamento. Desde o caso da soltura de Andrea Neves, irmã de Aécio, e outros envolvidos em carregamentos de dinheiro da J&F, Edson Fachin, que relata a Lava-Jato, recuou em pautar assuntos correlatos. Enquanto isso, as acusações de Janot se arrastam e a alta cúpula do PMDB se mantém na elite da articulação política, mesmo com denúncias nas costas.
Batalhas diferentes
Enquanto isso, muita coisa mudou desde a última denúncia contra Temer. A economia deu sinais mais claros de recuperação, e o ímpeto da oposição arrefeceu. Tanto que o presidente sentiu-se tranquilo para ir à China. Quando se defendia da primeira denúncia por corrupção passiva, Michel Temer hesitou em viajar para a Alemanha, onde acontecia o Encontro de Cúpula do G20. O vídeo de Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), seu ex-assessor e homem de confiança, carregando uma mala de 500.000 reais em dinheiro vivo entregue pela J&F como propina por influência em órgãos reguladores de Brasília, parecia prova suficiente para vincular o presidente ao escândalo.
A semana em que Temer esteve fora naquela ocasião, como EXAME noticiou, foi palco de um levante de políticos declarando publicamente que a “melhor alternativa para o Brasil” seria que a denúncia contra ele fosse aceita pela Câmara dos Deputados e que o presidente da Câmara dos Deputados. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) reuniu-se com o presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), para mostrar que tinha um plano. Disse que manteria a equipe econômica e boa parte dos outros ocupantes da Esplanada, mas mudaria os chamados “palacianos”, que são os ministros que dão expediente no Planalto, caso de Casa Civil e Secretaria de Governo, além, é claro, a continuidade das reformas.
Temer retomou a ordem na casa com o que faz de melhor: negociar com o Congresso. A acusação da PGR convenceu menos que a liberação de 2 bilhões de reais em emendas para os deputados federais e garantias de cargos. Com menos recursos disponíveis para a eleição, deputados federais estão sedentos por espaços na máquina pública e verbas para dar sinais positivos às bases eleitorais. Foram 227 votos contra o presidente, quando eram necessários 342. O relatório que pedia o arquivamento da denúncia foi vitorioso.
Agora, a situação é ainda mais confortável. O capital político acumulado e a margem de 115 votos entre o que teve a oposição e o que precisava para chegar a denúncia ao Supremo consolidou a expectativa de que Temer vai ganhar também a segunda votação. “Quando existe uma expectativa de perder a votação, há um efeito manada para a porta de saída. Quando a expectativa é de que o governo vai ganhar, a base não vai ficar contra o presidente e perder acessos”, afirma o cientista político Christopher Garman, diretor de análise de países da consultoria de risco Eurasia. “Ninguém acha que o presidente vai perder desta vez, então o incentivo para abandonar o barco está muito menor”.
As dúvidas
No momento mais crítico de sua gestão, Temer manteve apoio parlamentar de 50% da Câmara dos Deputados. A segunda denúncia, dizem as consultorias consultadas por EXAME, deve ser mais frágil, do ponto de vista jurídico, por não se tratar de corrupção passiva como a primeira. Com os números da economia anunciados esta semana, o cenário fica ainda mais favorável para quem quer se associar a um “projeto vencedor” em 2018.
“A sobrevivência do presidente teve um impacto negativo na agenda econômica, visto que se desviou das pautas prioritárias para focar em sua sobrevivência”, diz Wagner Parente, diretor da consultoria política Barral M Jorge.
“Diria que temos um presidente que deve concluir seu mandato, mas com uma base menos articulada e mais propensa a traições, principalmente à medida que nos aproximarmos das eleições”.
O principal dificultador para a governabilidade de Temer é a coesão da base. O racha interno do PSDB, que fez metade dos deputados votarem contra o governo na apreciação da denúncia, e a cobrança dos partidos do centrão por mais espaço em função da sua fidelidade na votação são pontos de pressão ao presidente. Nada que possa, porém, dar votos suficientes à oposição para que a nova denúncia chegue ao Supremo.
O fiel da balança será a delação do operador do PMDB Lúcio Funaro. Segundo reportagem do jornal O Globo, Funaro confirmou ao Ministério Público Federal que recebeu dinheiro de Joesley Batista para permanecer em silêncio na prisão. A acusação corrobora com a conclusão da PGR sobre o diálogo grampeado entre o empresário e Temer: o peemedebista ouviu de Joesley que as dívidas com Funaro haviam sido quitadas e disse “tem que manter isso, viu?”. Será suficiente?
“É difícil imaginar algo pior que a gravação de Joesley, mas o Brasil está cada vez mais expert em surpreender negativamente com o que os políticos fazem. A delação do Funaro pode ser forte, principalmente se tiver algo durante o mandato do Temer”, diz o cientista político Lucas de Aragão, diretor da consultoria Arko Advice. “Não é cenário mais provável, mas deve ser levado em conta”.
A Eurasia manteve os 30% de chances de que Temer não concluirá o mandato. Não é uma chance desprezível, mas passa longe dos antigos 70%, quando a cassação no Tribunal Superior Eleitoral era possível. Lá, as provas fornecidas pela Odebrecht foram engolidas por uma brecha jurídica. Funaro também pode ser anulado por novas brechas. Brasília é especialista em encontrá-las.