Por Assis Moreira | De Genebra
O Brasil endureceu o tom nas negociações agrícolas em reação aos Estados Unidos, China e Japão, levando o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, a dar prazo de 24 horas para os beligerantes decidirem se aceitam ou não um compromisso para a conferência de Bali (Indonésia), que ocorrerá dentro de duas semanas.
O Valor apurou que o principal ‘iceberg’, na linguagem de negociadores, continua a ser a administração de cotas tarifárias, que sob aparência técnica envolve bilhões de dólares de interesses comerciais. Por outro lado, cresce a convergência entre exportadores e importadores sobre estoques para segurança alimentar e sobre menos uso de subsídios à exportação agrícola.
Textos com novas versões de propostas surgem a cada dia e são passadas de mão em mão no grande hall da OMC. Mas parece difícil que os 159 países-membros alcancem um entendimento mais sólido esta semana, para ser assinado em Bali. ‘A situação está fervendo”, resumiu um negociador.
O tema central de um pacote para Bali seria a facilitação de comércio. Mas essas negociações estão empacadas, por causa do confronto na área agrícola. Ontem, a situação complicou-se mais em relação à administração de cotas tarifárias, tema considerado especialmente difícil na OMC. Está praticamente definido um mecanismo com duração de seis anos para garantir que as cotas sejam realmente preenchidas. Mas Pequim aproveitou uma proposta de linguagem dos EUA para tentar emplacar uma válvula de escape.
Para a China, o compromisso precisa levar em conta equilíbrio nos interesses de exportadores e importadores, ou circunstâncias especiais enfrentadas por certos membros que dão as cotas. O Brasil reagiu, dizendo que o país que estabelece cota já obteve essa possibilidade de limitar a importação do produto, porque conseguiu algo em troca. Assim, um mecanismo para tentar garantir a utilização da cota não é concessão e sim direito. Para Brasilia, se um país acha que ofereceu cota grande demais, que reabra renegociação entre importador e exportador.
Ocorre que, além de estabelecer cotas para regular o comércio, a China aloca a maior parte das importações para as próprias empresas estatais que negociam commodities agrícolas, como é o caso em 90% em trigo, e um percentual menor para milho, arroz, algodão, açúcar. Quando um exportador vende dentro da cota, normalmente ganha mais na venda.
A segunda divergência veio quando os EUA e o Japão pediram para serem incluídos no chamado ‘anexo dos protecionistas’. É uma possibilidade aberta para alguns países pularem fora do mecanismo de preenchimento das cotas após seis anos. O Brasil de novo reagiu, deixando claro que não aceitaria isso da parte de dois dos três grandes importadores agrícolas mundiais (o outro é a União Europeia), porque seria dar tratamento especial e diferenciado ao contrário, para país desenvolvido. O mecanismo só é acionado após três anos de não preenchimento da cota, em seguida existem demoradas consultas e, provavelmente, só no quinto ano há algum resultado. Os americanos e japoneses já querem sair fora no sexto ano. Para o Brasil, além de defender o interesse exportador do país está em jogo um mínimo de coerência no sistema multilateral de comércio. Poucos falaram ontem, mas vários países em desenvolvimento concordam com inquietações do Brasil, segundo fontes.
Quanto ao prazo até a noite de hoje, estabelecido pelo diretor da OMC, parece complicado. A posição brasileira, por exemplo, foi tomada no mais alto nível e dificilmente mudará em um dia. Os chineses também dizem que cota tarifária é ‘linha vermelha’, ou seja, sem espaço para flexibilidade.
Com relação a subsídios à exportação, países desenvolvidos renovam o compromisso de utilizá-los menos do que podem na prática. Mas um acordo está pendente ainda por causa de questão de transparência sobre práticas da China. O Brasil fez proposta para que os países deem mais informações sobre crédito à exportação agrícola.
Quanto à proposta da Índia, para poder dar subsídio adicional para formação de estoque de várias commodities por razões de segurança alimentar, está avançando. Nova Déli quer propor agora pequenas modificações no texto.
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