Enquanto a política interna brasileira caminha tropegamente, a política externa segue na mesma direção. Michel Temer, que decidiu de última hora ir ao encontro do G20 na Alemanha, pressionado por assessores e pelo Itamaraty, tenta passar, em Hamburgo, ares de uma normalidade inexistente no Brasil. O presidente chegou a afirmar que não existe crise no Brasil. A realidade, claro, é bem distante do discurso.
Segundo o ex-diplomata Luís Fernando Panelli, com passagens pelas missões brasileiras no Reino Unido, Paraguai e Argentina, a ida de Temer à Alemanha deve causar um atrito desnecessário com líderes internacionais e trazer embaraço ao país.
“Em diplomacia a questão mais importante é o timing. Os outros chefes de governo sabem que Temer não tem futuro, diferente de Lula e FHC. Então a participação do governo no G20 será apenas marginal”, afirmou. Com as notícias de que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, já articula uma substituição de Temer, o futuro de Temer na presidência é incerto.
A viagem de Temer, além de secundária para outros líderes no encontro, também será curta. O presidente retorna ao Brasil ainda no início da tarde de sábado, perdendo o final da agenda oficial do G20.
Nenhuma reunião bilateral foi previamente marcada e Temer não se encontra nem mesmo com a anfitriã, a chanceler alemã Angela Merkel, que se projeta como o principal nome da política no Ocidente, diante da retirada do americano Donald Trump dos principais temas contemporâneos.
Confirmado apenas no começo da semana no evento, Temer é um nome apagado no G20. Seu nome sequer apareceu no programa oficial do encontro, distribuído à imprensa em Hamburgo — no folheto, consta o nome do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, como o representante da delegação brasileira. Na internet, o material foi corrigido.
A participação de Temer no evento não é vista como negativa por todos os analistas ouvidos por EXAME Hoje. “A não ida é pior do que a ida”, afirma o ex-embaixador em Washington, Rubens Barbosa. Para ele, o mero fato de ir é notável, já que o Brasil só deixou de comparecer ao G20 uma vez, quando Lula deixou de ir a Toronto, no Canadá, para permanecer no Brasil durante uma enchente na região nordeste, que deixou 51 mortos. Para o professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas, Oliver Stuenkel, a participação evita que Temer seja a notícia negativa do evento como o líder que não compareceu.
A questão é como a política internacional brasileira chegou ao ponto em que está hoje: uma operação para evitar que o país vire uma chacota internacional. Para Panelli, há dois momentos nesta perspectiva. A primeira é a “megalomania do governo Lula, que concebeu um projeto diplomático muito maior do que o Brasil poderia alcançar”. Segundo ele, o Brasil tentou mediar conflitos, como a questão do Irã, muito fora de sua alçada de poder, o que acabou levando o país para aventuras diplomáticas desnecessárias. Como resultado da política do PT, de fazer o Brasil um líder do sul e aproximado de outras nações emergentes, foi deixada de lado a abertura econômica do país e a aproximação com mais acordos bilaterais.
O segundo momento é negligência de Dilma na política externa. Avessa a viagens internacionais, Dilma sufocou a política internacional brasileira. Durante seu primeiro mandato, a presidente reduziu quase pela metade o tempo destinado a visitas a outros países na comparação com Lula no mesmo período. Quando deixava o país, Dilma chegava a levar uma guarnição com comidas locais para suportar a viagem.
Para o professor Stuenkel, a presidente deixou o Itamaraty em segundo plano, sem visibilidade, e o ministério não conseguia convencê-la da importância de uma política externa mais forte. “Os próprios ministros de Relações Exteriores de Dilma, Antonio Patriota e Luiz Alberto Figueiredo, eram figuras menores no governo, distantes da presidente. Se você viaja como chanceler e a presidente confia pouco em você, isso fica evidente e a perspectiva dos outros países sobre o Brasil muda”, disse.
Ao assumir o governo, Temer defendia uma mudança no Itamaraty e um rompimento da política Sul-Sul da era do PT. “A nossa política externa será regida pelos valores do Estado e da nação, não do governo e jamais de um partido”, disse José Serra em sua posse como chanceler. A chegada de Serra injetou ânimo a um ministério que vivia dias de penúria: entre 2003 e 2015, o orçamento saiu de 0,5% do PIB para 0,13%. Servidores e diplomatas perderam benefícios e ajudas de custos no exterior, encarando problemas como não poder pagar contas de luz, residência funcional, escola dos filhos. A entrada desenfreada de mais funcionários também embaralhou as carreiras no Itamaraty e muitos funcionários se depararam com a perspectiva de uma promoção somente depois de 15 anos.
Embora nome forte do governo Temer, Serra deixou o cargo de ministro por motivos de saúde e foi substituído pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP). Com um perfil menos agressivo, Nunes continuou o trabalho de Serra no ministério.
Segundo Renata Amaral, diretora de comércio internacional da consultoria Barral M Jorge, as iniciativas do Itamaraty continuam para não macular a imagem do país lá fora.
“Mesmo com a crise política, houve aumento dos investimentos, além de parcerias nos setores agrícola e de comércio internacional”, afirmou Amaral, para quem iniciativas como pleitear a entrada do país na OCDE são de suma importância para a abertura econômica nacional.
Mas a crise política não ajudou: preocupado com as questões internas Temer se tornou o presidente que menos viajou e cumpriu agendas internacionais desde Itamar Franco, que por sua vez também assumiu o país após um impeachment, de Fernando Collor.
A ida de Temer ao G20 se tornou motivo de preocupação principalmente depois que o presidente viajou, no mês passado, para a Rússia e para a Noruega. Embora a ida à Rússia tenha sido considerada importante para retomar uma aproximação estratégica com país, que sofreu sanções internacionais, toda a viagem de Temer foi considerada um desastre.
Sem ter firmado nenhum acordo relevante com a Rússia, a equipe presidencial errou o nome oficial do país, chamando, ainda, de União Russa das Repúblicas Soviéticas. Em Moscou, Temer foi recebido no aeroporto pelo vice-ministro de Relações Exteriores russo, cargo de segundo escalão por lá, e pelo embaixador do Brasil na Rússia. O presidente brasileiro só se encontrou com Vladimir Putin no dia seguinte. Segundo integrantes da delegação brasileira afirmaram, “há tempos não se via uma missão diplomática tão fraca”
Mas a situação se agravou na Noruega, onde Temer teve de escutar poucas e boas da primeira ministra Erna Solberg. A política norueguesa deu uma bronca em Temer por conta da corrupção brasileira e do desmatamento na Amazônia. Com certa razão: a Noruega é o principal investidor do Fundo Amazônia, um instrumento de captação de recursos que prevê a preservação da floresta e é gerenciado pelo BNDES. O país nórdico investiu 2,77 bilhões de reais no Fundo desde 2009, o que contabiliza 97% de todos os recursos já recebidos. Depois da visita, a Noruega anunciou que diminuiria o ritmo dos repasses, já que o acordo entre os dois países prevê uma questão de reciprocidade e o ritmo de desmatamento da Amazônia só cresceu nos últimos dois anos.
Além de um vexame internacional, a questão aponta para outro problema. A saída do Brasil como um representante e mediador da situação ambiental no mundo — um dos principais temas do encontro do G20 este ano. No mês passado, quando Donald Trump tirou os Estados Unidos do Acordo Climático de Paris, quem liderou a voz opositora foi uma parceria entre China e Europa.
“O Brasil ao longo dos anos tentou ser um líder internacional em questões ambientais. Basta olhar para iniciativas como o Rio 92 e o Rio +20. Ter perdido essa política nos últimos anos é um retrocesso”, afirma o professor James Green, professor da Universidade Brown, onde é diretor do Centro de Iniciativa Brasileira. É o Brasil desperdiçando mais uma oportunidade.