Por Assis Moreira | De Genebra
Um confronto entre Estados Unidos e China na área agrícola paralisou ontem todas as negociações para um acordo modesto na conferência ministerial de Bali (Indonésia), marcada para daqui a três semanas, e ampliou a crise na Organização Mundial do Comércio (OMC).
O Valor apurou que o diretor-geral da entidade, Roberto Azevêdo, tentou desmontar o colapso, cuja dimensão impediu também a continuação das negociações na área de facilitação de comércio. Ele fez nova proposta ontem à noite, segundo fontes. Os países vão responder hoje. O G-20, grupo agrícola coordenado pelo Brasil, está envolvido diretamente na discussão.
As divergências aumentaram devido às cotas tarifárias agrícolas, que envolvem bilhões de dólares, dólares de comércio. Os EUA insistem em proposta pela qual a China precisará dar mais acesso aos exportadores agrícolas ao seu mercado. Já o governo chinês recusa nova regra, que forçaria os chineses a facilitar o preenchimento das cotas que Pequim mesmo estabelece.
O uso de cotas tarifárias disseminou-se até em países em desenvolvimento. Elas garantem um mínimo de acesso a mercados protecionistas para produtos como carnes e açúcar do Brasil, por exemplo. Na prática, o acesso oferecido por meio da cota é quase anulado pela forma como é administrada pelo país importador. Assim, raramente as cotas são preenchidas.
Por isso, o G-20 agrícola, coordenado pelo Brasil, propôs que, sempre que o preenchimento da cota ficar abaixo de 65%, seria acionado um mecanismo de consulta que dura três anos. Nesse período, o preenchimento tem que voltar a pelo menos 65%. Após três anos, se isso não ocorrer, o acesso à cota é automático.
Países em desenvolvimento teriam Tratamento Especial e Diferenciado (TED): não precisariam aceitar o mecanismo automático para os exportadores terem acesso automático a suas cotas. Mas continuariam sob pressão para facilitar o acesso dos exportadores.
A China, membro do G-20 agrícola, não assinou a proposta. Esta semana, o futuro embaixador chinês na OMC, Yu Jianhua, deixou claro que se tratava de ‘linha vermelha’, não permitindo mais flexibilidade nessa área.
Os EUA, porém, mantêm a pressão e propõem a substituição do fim do tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento. Em vez disso, seria estabelecido mecanismo de consulta para o volume das cotas ser preenchido automaticamente após dois anos de consultas, no caso de países desenvolvidos, e após três anos, para países em desenvolvimento.
Na terça-feira, Azevêdo reconheceu que nenhum progresso havia sido alcançado, apesar de semanas de negociações, e indagou o que ainda podia ser feito para se tentar um compromisso.
No começo da semana, os países chegaram a discutir se já era o caso de ‘tirar a tomada’, ou seja, suspender as negociações do pacote inteiro, diante do estado das divergências. Na terça-feira, ficou acertado dar mais alguns dias para negociar. ‘A única opção é fazer uma última tentativa, afirmou Azevêdo aos 159 países. Ele considerou ‘muito desapontadora’ a situação atual das negociações, reconhecendo que não há esboço de pacote de liberalização no momento.
Apesar de tudo, a conferência ocorrerá em Bali. A presença de mais de cem ministros está confirmada. O que pode não sair é o pacote de liberalização, ampliando o risco de irrelevância da entidade.
Alguns países sequer dizem por que são contra certos pontos em discussão. Outros continuam guardando cartas na manga, recorrendo à velha desculpa de que precisam consultar suas autoridades nas capitais, deixando o tempo correr e o abismo se aproximar.
No tema de facilitação de comércio, os países até agora só chegaram a um compromisso sobre troca de informações entre as aduanas, depois de muita barganha. A Índia argumentou que as exportações da China são normalmente subfaturadas e um compromisso pode ajudar as aduanas a verificar melhor os preços. O Brasil e a África do Sul também manifestaram maior interesse por esse tema.
Em outras áreas de facilitação de comércio, no entanto, as soluções ‘não são ainda evidentes’, admite Azevêdo. Na área agrícola, Índia e Indonésia jogam duro em favor da proposta que permite ampliar substancialmente os subsídios para formar estoques agrícolas por razões de segurança alimentar. Mas não aceitam prazo de apenas dois ou três anos para a cláusula de paz, mecanismo que impediria que outros países contestassem a alta de subsídios.
Além disso, vários parceiros querem estabelecer mecanismo de salvaguarda para evitar que esses estoques sejam depois despejados no mercado doméstico, ou internacional, e derrubem os preços das commodities.
Em relação aos subsídios à exportação agrícola, a Argentina avisou que bloqueará um acordo, se não houver algum resultado tangível para eliminação desses subsídios. A proposta do G-20 agrícola prevê que os países desenvolvidos se comprometam a eliminar em 50% os subsídios à exportação autorizados pela OMC, e os países em desenvolvimento, em 25%. ‘Um grande ponto de interrogação paira sobre esse tema’, disse Azevêdo.
Leia mais em: