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Contenciosos na OMC e o poder do agronegócio: hora de retomar o protagonismo

By 8 de September de 2014No Comments

De acordo com números do Ministério da Agricultura, o poderoso agronegócio brasileiro representa 41% das exportações do país. Mais, tem o PIB estimado em R$ 1 trilhão, representando cerca de 20% da economia do Brasil.

Sem dúvida, o agronegócio é hoje o setor mais competitivo da economia brasileira e está em ritmo de plena expansão, atribuindo ao país posição de prestígio entre os principais players internacionais no fornecimento de alimentos e matérias primas para o mundo.

A título de exemplo, segundo as projeções do United States Department of Agriculture (USDA) divulgadas no Outlook 2013, o Brasil deverá permanecer como o principal exportador de soja mundial, com 44,2% do share mundial, seguido por Estados Unidos, com 30,4%, e Argentina, com 12,1%, até 2023. No milho, o país deve ser o quarto maior exportador mundial em 2023, atrás de Estados Unidos, países da antiga União Soviética e Argentina.

Ainda, segundo o Ministério da Agricultura, até 2020, a expectativa é que a produção nacional de carnes suprirá 44,5% do mercado mundial. Junto com Índia, Estados Unidos e Austrália, o Brasil estará na liderança do comércio mundial de carne bovina, enquanto permanecerá, isolado, o maior exportador de carne de frango.

Principais Exportadores Mundiais de grãos e carnes 2022/2023 (USDA)

Ao passo que incrementa a participação do agronegócio no comércio mundial, o Brasil tem seus processos produtivos controlados por rigorosos sistemas de fiscalização sanitária e certificação, baseados em padrões internacionais estabelecidos por organizações internacionais como a Organization for Animal Health (OIE) e o Codex Alimentarius. Com efeito, os produtos do agronegócio brasileiro gozam de ampla confiabilidade internacional, e o país firmou-se ao longo dos anos como provedor de produtos seguros e de qualidade.

Não obstante, em que pese o amplo reconhecimento do produto brasileiro, sejam de origem vegetal ou animal, o Brasil enfrenta diversas barreiras discriminatórias, sanitárias, fitossanitárias e técnicas para entrar em muitos mercados importantes.

Em levantamento preliminar recente, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta aproximadamente 20 potenciais contenciosos que o Brasil teria fundamento técnico para questionar perante a Organização Mundial do Comércio (OMC), quase todos de interesse da agroindústria brasileira. Esse é o caso, por exemplo: de barreiras técnicas aplicadas às exportações de madeiras originárias do Brasil; das discriminações às exportações de carnes bovinas e suínas à União Europeia; das barreiras sanitárias e discriminações às exportações de carnes bovinas e avícolas à Indonésia; dos subsídios ao açúcar na Índia e ao algodão na China, entre outras.

Diante desse cenário, de um lado o poder e prestígio internacional do agronegócio e da agroindústria brasileira, e, de outro, as barreiras que diversos subsetores vem enfrentando para manter o ritmo de crescimento mundial e lançarem-se em novos mercados, esse parece ser o momento de resgatar também um outro protagonismo do Brasil: nos contenciosos na OMC.

De acordo com os dados da OMC, o Brasil é o quarto maior usuário do mecanismo de solução de controvérsias, sendo demandante em 26 disputas desde 1995. O país fica atrás apenas de Estados Unidos (106 disputas abertas), União Europeia (90 disputas abertas) e Canadá (33 disputas abertas). A liderança do Brasil entre os mercados emergentes e em desenvolvimento deve-se, sobretudo, às competências internas desenvolvidas pela Coordenação de Contenciosos (CGC) do Ministério das Relações Exteriores (MRE), combinado com o forte compromisso do setor privado e o suporte de escritórios e consultorias especializados em disputas na OMC.

Contudo, embora o Brasil tenha adquirido destaque e reputação em contenciosos, notadamente no decade lasting contencioso do algodão contra os Estados Unidos (DS-267), e conquanto conte com funcionários de excelência no Itamaraty, que conhecem profundamente o mecanismo de soluções de controvérsias da OMC, o país encolheu-se no que diz respeito à abertura de contenciosos nos últimos dez anos.

Não se objetiva aqui discutir as razões para o declínio do número de disputas capitaneadas pelo Brasil[1], mas, sim, a necessidade de se retomar o protagonismo do país no mecanismo de solução de controvérsias que, necessariamente, refletirá no seu protagonismo em negociações comerciais no âmbito da Organização.

Como já se sugeriu antes, vale dizer que é importante que o Brasil não só fortaleça a estrutura da CGC com mais funcionários e com mandato mais amplo para apoiar a estratégia do Brasil no comércio internacional, mas, também, que outros órgãos do governo, sobretudo aqueles membros da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) conscientizem-se da relevância estratégica das disputas comerciais na OMC conjugadas com os objetivos do país nas negociações multilaterais, e desenvolvam mecanismos paralelamente ao setor privado de identificação e eliminação de barreiras ao comércio.

O Brasil tem hoje, como diz o ditado popular, a faca e o queijo na mão: um poderoso setor de agronegócio com disposição para enfrentar as barreiras ilegalmente aplicadas às suas exportações por diversos Membros da OMC, e um time de funcionários de excelência no Brasil, no setor público e privado, para garantir o êxito do país no Mecanismo de Solução de Controvérsias.

É hora, portanto, de retomar o protagonismo.

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Renata Vargas Amaral é Doutora em Direito do Comércio Internacional por Maastricht University e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Sócia da Barral M Jorge Consultores Associados da área de Comércio Internacional. 

 

[1] Note-se que, em que pese o número de disputas como reclamante ter desacelerado, o Brasil participa intensamente dos contenciosos na OMC como parte reclamada (15 casos) e, notadamente, como terceira parte (87 casos).

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