Há tempos os brasileiros desconam do resultados das Comissões Parlamentares de Inquérito. Com o decorrer dos trabalhos, os nobres parlamentares tratam de acomodar interesses para que as comissões terminem invariavelmente em pizza. Desta vez, contudo, os maus presságios dominam a CPI da JBS desde sua instauração nesta terça-feira. A comissão foi instalada para investigar o acordo de delação premiada rmado entre a JBS e a Procuradoria-Geral da República que, entre outros efeitos, quase custou o mandato do presidente Michel Temer.
O maior símbolo de que o processo nasceu torto é a escolha do relator do grupo. O deputado Carlos Marun (PMDB-MS) é uma gura que dispensaria apresentações, mas, neste caso, vale fazê-lo. Formado em engenharia civil e direito, Marun foi secretário Municipal de Assuntos Fundiários e diretor-presidente da Empresa Municipal de Habitação em Campo Grande entre 1996 e 2004, até ser eleito vereador pelo PMDB. De 2007 a 2014, cumpriu dois mandatos como deputado estadual. Está agora em seu primeiro mandato em Brasília, como deputado federal.
Notabilizou-se não por seus feitos, mas pela lealdade. Foi a principal voz de defesa do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), hoje preso pela Operação Lava-Jato por múltiplas acusações de corrupção. Com provas descobertas e públicas contra Cunha, Marun foi um dos apenas 10 deputados que votaram contra a cassação do deputado carioca em setembro de 2016.
Como rei morto é rei posto, suas forças se voltaram à defesa de Michel Temer. Um ano depois da despedida de Cunha do Plenário Ulisses Guimarães, Marun tornou-se um dos nomes fortes de uma nova “tropa de choque”, que defenderia publicamente e articularia nos bastidores o arquivamento da denúncia contra o presidente da República ainda no estágio inicial, na Câmara dos Deputados. Alto em estatura e em alcance de voz, que lhe dão destaque no Salão Verde da Câmara, virou um dos símbolos de ambas as cruzadas de peemedebistas contra a Procuradoria-Geral da República. “Eu me sentiria impedido se eu tivesse relação estreita com a JBS, coisa que eu não tenho”, disse Marun, em coletiva nesta terça. “Tenho uma relação estreita com o governo. Mas eu vou atuar em cima da verdade”. Marun recebeu 100.003 reais da JBS na campanha de 2014. O valor foi doado às campanhas de Simone Tebet ao Senado e Nelsinho Trad ao governo, e repassados para o deputado.
Sempre que estoura um grande escândalo no país, o Congresso se move para montar uma CPI — estão previstas desde a Constituição de 1934. As Comissões Parlamentares de Inquérito são a forma de o Poder Legislativo investigar desvios no poder público, justamente uma alternativa ao Ministério Público Federal. Os resultados recentes e a montagem desta que se inicia, contudo, tiram qualquer esperança de credibilidade. A atual CPI é mista, ou seja, reúne deputados e senadores.
Exemplo é a Petrobras, arrolada nas investigações da Operação Lava-Jato. Entre outros escândalos, o dono da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, armou aos investigadores que pago 5 milhões de reais ao ex-senador Gim Argello (PTB-DF) para evitar que fosse convocado a depor nas comissões parlamentares. Outro delator, Zwi Skornicki disse às autoridades que a empresa Keppel Fels, fornecedora da Petrobras, fez repasses ao ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto destinados ao deputado Luiz Sérgio, relator da CPI da Petrobras, para evitar a sua convocação para prestar esclarecimentos na CPI da Câmara entre fevereiro e outubro de 2015.
Por essas e outras, um nome tão ligado ao Planalto para a CPI da JBS incomoda. Signica tal enviesamento que demorou pouco para haver desertores. O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) anunciou momentos depois da escolha de Marun que não fará parte do colegiado. “Eu vi manifestações no mesmo sentido dos senadores Otto Alencar, Lasier Martins e Randolfe Rodrigues, mas não dá para dizer que vão sair”, diz Ferraço. “Uma comissão como essa, que se propõe a investigar crimes cometidos em série pelos irmãos Batista, precisa ter isenção e imparcialidade. Colocar como relator um sujeito que é chefe da tropa de choque de Temer faz parecer que a CPI vai na contramão disso”.
Como havia adiantado o tucano, o senador Otto Alencar (PSD-BA) conrmou a suspeita e deixou a CPI, chamando-a de “farsa” e “chapa-branca”.
“A ideia é implicar o PT. Principalmente a atuação do BNDES durante os governos Dilma e Lula. Então, a CPI deve blindar o Temer, mas tem o objetivo de desgastar ainda mais o PT”, diz Wagner Parente, diretor da consultoria política Barral M Jorge.
“Tanto é verdade que havia a intenção de convocar o ex-presidente Lula para oitiva, mas agora o foco é Guido Mantega”.
O presidente da comissão, senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), também é aliado de Temer. Suplente de João Ribeiro (PR-TO), que morreu em 2013, Ataídes tem atuação discreta no Congresso. Surgiu nas manchetes, neste ano, ao quase sair no tapa com Randolfe Rodrigues (Rede-AP) durante os debates da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Econômicos.
Ataídes não respondeu à reportagem, mas alegou aos repórteres do Congresso que escolheu Marun porque ele pertence ao “maior partido da Câmara”. “É o nome indicado do partido e, como é costumeiramente aqui, que a proporcionalidade ca com a presidência ou relatoria, então eles indicaram o nome de Carlos Marun”.
Dentro da bancada do PMDB havia outras 60 opções. Mas nenhuma tão leal ao presidente, e tão comprometida com a ideia de que a CPI em questão servirá não para revelar, mas para enterrar as ligações da JBS com o mundo político, e em especial o PMDB de Temer