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*Por Wagner Parente, CEO da BMJ
Nesta terça-feira (4) a Folha de São Paulo publicou uma reportagem com o título “De 10 medidas defendidas por Paulo Guedes, nove dependem do Congresso” (https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/12/de-10-medidas-defendidas-por-paulo-guedes-nove-dependem-do-congresso.shtml).  Dentre as medidas constam a redução de tarifas da indústria e a abertura comercial gradual. Segundo a reportagem, bastaria um decreto do presidente para realizar a referida redução do imposto de importação, o que colocaria a medida entre as que são menos complexas de serem implementadas.
Talvez essa questão precise ser avaliada com um pouco mais de profundidade para se ter a real noção do nível de complexidade para realizar uma redução do imposto de importação. O primeiro e principal ponto que deve ser considerado é o nosso compromisso internacional (em especial no Mercosul). Sendo assim, é possível dividir as medidas de abertura em duas: 1) que podem ser feitas independente de renegociação de compromissos internacionais e 2) dependem de renegociação de compromissos assumidos.  Antes de falar da alteração tarifária em si, é interessante tratar brevemente de como deverá ser a tomada de decisão em matéria de comércio exterior no governo Bolsonaro.
Hoje, as alterações de imposto de importação são competência da Câmara de Comércio Exterior (Camex). As decisões são tomadas com base no voto dos 8 ministros que a compõe (vide DECRETO Nº 9.029, DE 10 DE ABRIL DE 2017). É bem provável que essa forma de tomada de decisão mude, pois, com as alterações de ministérios, 3 dos principais membros da Camex (Fazenda, MDIC e Planejamento) terão apenas 1 voto; enquanto continuarão com o mesmo peso os votos do MRE, Agricultura e Secretária-geral da Presidência da República. Hoje a Presidência da Camex é do chefe da Casa Civil.
Parece improvável que o Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil, se ocupe também da presidência da Camex. O mesmo interesse pelo comércio exterior deve ter o Sr. Gustavo Bebianno, anunciado como o novo Secretário-Geral da Presidência da República. Ministérios dos Transportes fez um grande esforço para entrar na estrutura da Camex, o que pode ou não se sustentar considerando a ampliação de competência que terá o Sr. Tarcísio Gomes de Freitas, anunciado como novo Ministro da Infraestrutura.
Sendo assim, da atual composição da Camex – se ela ainda existir na estrutura do novo governo -, as decisões deverão ficar a cargo do Sr. Paulo Guedes, Ministro da Economia; Sra. Teresa Cristina, Ministra da Agricultura; Sr. Ernesto Araújo, Ministro das Relações Exteriores. É possível que o Ministério da Defesa entre no colegiado, pois já era um pleito antigo que estava sendo discutido no governo Temer.
A competência da Camex foi outorgada pelo Presidente da República (com base na  LEI No 8.085, DE 23 DE OUTUBRO DE 1990.). Essa lei não cria uma obrigação ao Presidente, já que o § único do artigo primeiro ressalta que o  Presidente da República poderá outorgar competência à CAMEX. Então, de fato, basta uma Medida Provisória para que essa competência seja outorgada, por exemplo, ao super-ministro da Economia.
O mais provável é que a Camex seja mantida, talvez como órgão de consulta e não de deliberação. De qualquer forma, as alterações de imposto de importação devem obedecer alguns critérios, com base em compromissos que o Brasil assumiu internacionalmente, com algumas poucas exceções.

  1. Medidas que podem ser feitas independente de  renegociação de compromissos internacionais:

Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum (LETEC): o Brasil tem 100 posições que pode alterar o imposto como bem entender, em especial se a ideia for reduzir o imposto de importação (para aumentar, existem limites). Isso de fato é bastante fácil de ser feito do ponto de vista formal. No entanto, normalmente essas vagas são bastante disputadas pelos setores que não tem tempo de esperar uma decisão do Mercosul e precisam ou reduzir o ii de um produto fundamental (uma vacina, por exemplo). Ocupar todas essas vagas de  LETEC para redução pode ser bastante desgastante politicamente, mas é relativamente fácil de ser feito. Hoje, bastaria uma Resolução Camex.
Redução de Imposto de Importação de BIT e BK: já existe a possibilidade de reduzir temporariamente a alíquota do imposto de importação de bens de capital (BK) e de bens de informática e telecomunicações (BIT), sem similar nacional. O que a atual Secretaria de Assuntos Estratégicos propõe é a redução para 4% das tarifas a todos os bens classificados de BIT e BK e a suspensão do regime de ex-tarifários. Isso, em tese, é possível  visto que existe a previsão legal dentro dos acordos do Mercosul para regimes especiais de tais bens.
E é isso… sem mexer com Mercosul é o que dá para fazer.
A outra alternativa para redução de imposto de importação é o instrumento previsto na Resolução CMC 08/08, que se aplica quando não existe produção suficiente no Mercosul de determinado insumo. Isso já é usado hoje e, de qualquer forma, é necessário a consulta aos outros membros do Mercosul. Outra medida possível é desmantelar todo o sistema de defesa comercial brasileiro e deixar de aplicar antidumping, medida compensatória e salvaguarda. Também é possível, mas altamente improvável. O que deve acontecer é um aumento de rigor na análise de interesse público para aplicação dessas medidas (tema para outro artigo).

  1. Alterações que dependem de renegociação de compromissos assumidos :

Qualquer alteração que não se encaixe nas duas mencionadas acima, dependem de renegociação com os membros do Mercosul. Isso porque a Tarifa Externa Comum (TEC) é um compromisso assumido pelo Brasil e internalizado via lei ordinária em nosso ordenamento jurídico. De fato, o Tratado de Assunção foi ratificado pelo Congresso por meio do Decreto Legislativo nº 197, de 25.09.91 e promulgado pelo Decreto nº 350, de 21.11.91. O parágrafo primeiro do artigo primeiro ressalta que “são sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão do presente tratado”. Ou seja, não cabe ao presidente, por meio de Decreto do Executivo alterar os compromissos advindos do Mercosul, isso inclui a TEC (art. 1 do Tratado de Assunção). É difícil dizer que aprovar a saída do Brasil do Mercosul ou mesma a negociação com os outros membros para alteração dos impostos de importação seja algo trivial ou fácil.
Por tudo isso, a dita abertura comercial não vai ocorrerá via Decreto do Executivo. Provavelmente, os técnicos da equipe do Bolsonaro já devem saber disso. A renegociação do Mercosul é possível, e considerando a utilização da administração Trump como paradigma, é provável que se tente por aqui o que foi feito no NAFTA recentemente.