Decisão dos EUA de fechar as portas ao aço e ao alumínio do exterior também pode acelerar acordo dos membros do bloco sul-americano com a União Europeia, segundo especialistas
O mundo parece avançar suas negociações sem os Estados Unidos. Um dia depois do presidente dos EUA, Donald Trump, fechar as portas ao aço e ao alumínio do exterior, o Mercosul deu início à negociação de uma área de livre comércio com o Canadá. Nesta sexta-feira, onze países também assinaram uma nova versão do Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP, na sigla em inglês) sem os americanos.
Os chanceleres dos países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e o ministro de Comércio Internacional do Canadá, François-Philippe Champagne, se reuniram em Assunção, no Paraguai, para discutir um acordo amplo que envolve temas como o comércio de bens, serviços, compras governamentais e barreiras não tarifárias. O Mercosul representa para o Canadá um mercado de 260 milhões de habitantes.
Na avaliação de Marcos Jorge Lima, ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), o momento do início das negociações é estratégico e revela a determinação do governo brasileiro de uma maior abertura e participação no comércio internacional. «Enquanto alguns atores internacionais se fecham, o Brasil e os sócios do Mercosul têm demonstrado que é fundamental a integração dos nossos mercados às cadeias globais e de valor. Novos acordos, como este com o Canadá, é um importante caminho», disse em nota divulgada pelo Mdic.
O ministro canadense também reforçou que a ata assinada nesta sexta-feira manda um recado importante para a comunidade internacional, em um momento que o governo Trump caminha na direção do protecionismo. «Nesta manhã estamos mandando uma mensagem muito forte para o mundo. Acredito que o mundo está nos olhando», afirmou Champagne.
O chanceler do Uruguai, Rodolfo Nin Novoa, disse à agência EFE esperar que o acordo seja firmado no fim deste ano, já que, segundo ele, as negociações avançariam mais rápido do que com a União Europeia, que se arrasta há quase duas décadas .
Nos últimos anos, a participação brasileira nas importações canadenses oscilou em torno de 0,6%. Já os produtos canadenses representam entre 1% e 1,5% das compras brasileiras. “O Canadá é um importante e exigente mercado consumidor. Em 2017, o fluxo comercial entre Brasil e Canadá foi de cerca de 4,5 bilhões de dólares, com um superávit para o Brasil de pouco mais de 950 milhões. Esperamos aumento expressivo e a diversificação da nossa pauta exportadora que hoje é bastante concentrada”, disse Lima. Nenhum dos participantes da negociação detalhou as questões concretas que serão abordadas no acordo, mas todos ressaltaram que o pacto será de um comércio «inclusivo».
Para Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e sócio da Barral M Jorge Consultores, o Canadá vem procurando novos parceiros para diminuir a forte dependências dos vizinhos americanos. «Um acordo entre o Mercosul e os canadenses seria vantajoso para ambos lados, porque eles não possuem tantos produtos concorrentes», afirma.
Acordo UE-Mercosul pode ser acelerado
Barral acredita ainda que a sobretaxa para importação de aço e alumínio imposta por Trump causará uma forte desorganização no comércio, com retaliações em cadeia e um alto grau de instabilidade a curto prazo. Ao mesmo tempo, no entanto, ela abre caminho para novos acordos, segundo o ex-secretário. «Eventualmente essas medidas americanas podem aumentar o interesse da União Europeia para um pacto mais célere com o Mercosul», diz. A Zona do Euro e o Mercosul já negociam um acordo de livre comércio há 19 anos, mas enfrentam desentendimentos quanto a questão agrícola.
Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV, também concorda que a decisão de Trump esta semana aumenta a percepção tanto do Mercosul como da União Europeia de que eles precisam diversificar suas parceiras e que os EUA deixaram de ser um parceiro confiável no âmbito comercial.
Ainda segundo o professor, tanto o início das negociações do bloco da América do Sul com o Canadá como a assinatura da nova versão do TPP podem ser visto com uma reposta clara ao protecionismo americano. «O fato do acordo transpacífico avançar é um símbolo da época que vivemos agora de avanço dos planos sem os EUA. Se antes os americanos era uma nação indispensável dos acordos, a fila andou», diz Stuenkel. As implicações desse isolamento de Washington vão além do comércio na avaliação do professor. «Quando se aumento o contato comercial com os países, há uma relação política mais intensa também. A posição de poder dos EUA também será menor nos próximos anos».