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Como se sabe há alguns meses, o Brasil será condenado por painel da Organização Mundial do Comércio (OMC), em processo iniciado por União Europeia e Japão. O relatório do painel somente deve se tornar integralmente público nas próximas semanas, mas os mexericos em Genebra dão conta de que o Brasil foi condenado em todos os questionamentos a sua política industrial.
Contra a decisão, o Brasil poderá apresentar recurso ao Órgão de Apelação da OMC, que levará alguns meses para deliberar.
A partir daí, o Brasil terá um «prazo razoável» para implementar a decisão da OMC. Vencido esse tempo sem que adote as medidas recomendadas, poderia ser sujeito à retaliação comercial dos membros reclamantes. Se implementar, os reclamantes podem ainda pedir uma arbitragem quanto à correta interpretação da decisão.
A descrição dessas perspectivas levam a algumas reflexões no que se refere à futura política industrial que o Brasil pode adotar.
Em primeiro lugar, o caso é complexo e abrangente. Se o principal questionamento se refere ao Inovar-Auto, haverá também consequências para a Lei de Informática, PADIS, REPES e outros programas setoriais importantes para a indústria brasileira. Os fundamentos jurídicos do caso estão no Acordo de Subsídios e no Acordo de Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio.
Em segundo lugar, o Brasil precisa começar a repensar seus instrumentos de política industrial. Afinal, é provável que o fim definitivo do caso seja em 2019, quando um novo governo se verá, estupefato, diante do risco de retaliação comercial por dois importantes parceiros.
Repensar esses programas não implica abandonar a indústria à própria sorte, mas sim atentar para a formulação de incentivos compatíveis com as regras multilaterais.
Todos os países desenvolvidos mantêm estímulos a sua indústria, mas buscam adaptá-los às regras do jogo, ou pelo menos não violá-las tão escancaradamente.
A ex-presidente Dilma Rousseff foi advertida quanto ao potencial questionamento ao Inovar-Auto. Preferiu ignorar os avisos, o que levou ao questionamento de outros incentivos que já existiam há tempos.
Em terceiro lugar, a forma como o Brasil molda seus programas de estímulo pode gerar não apenas outros questionamentos na OMC mas também a adoção de medidas compensatórias por países importadores de produtos brasileiros, que acaso julguem que os incentivos constituem subsídios a afetar o preço final do produto.
O número de medidas compensatórias vêm aumentando em todo o mundo. Seguramente não interessa aos exportadores brasileiros o risco de verem seus produtos sobretaxados em razão de políticas mal formuladas pelo governo.
De nada adianta o Brasil, neste contexto, apontar o escândalo dos subsídios agrícolas nos países desenvolvidos. São as intricadas regras dos subsídios industriais que devemos estudar, antes de decisões voluntariosas de apoio setorial.
Por este voluntarismo é que a decisão desfavorável ao Brasil já era esperada por especialistas, apesar da defesa heroica realizada pelos diplomatas brasileiros em Genebra. Num mundo interligado, o amadorismo na formulação de política industrial é indefensável.
WELBER BARRAL é Sócio e Consultor Sênior da BMJ e perito do Comitê de Subsídios da OMC (Organização Mundial do Comércio)