Especialistas em segurança pública criticam a medida alegando que intervenção federal não vai resolver o problema da criminalidade e do descontrole da violência no Rio de Janeiro
Em seu discurso no início da tarde desta sexta-feira (16), Temer deu ênfase à palavra “ordem”, que aparece no slogan de seu governo (Ordem e Progresso), e abusou das metáforas e frases de efeito. “O crime organizado quase tomou conta do estado do Rio de Janeiro”, disse Temer no início de seu pronunciamento. “É uma metástase que se espalha pelo país e ameaça a tranquilidade do nosso povo”.
Em outro trecho, o presidente disse que não vai “aceitar que matem nosso presente nem continuem a assassinar nosso futuro”. “Os presídios não serão escritórios do crime organizado e as praças o seu salão de festa”, disse, ainda.
Para o professor de ciência política na UFPI, Vitor Sandes, a intenção política do presidente ao decidir pela intervenção ficou bastante clara. “Essa intervenção estritamente em ano eleitoral parece eminentemente política”, disse. Segundo o cientista político, ao assumir o controle da segurança pública no Rio, Temer passa a competir com o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC) por uma fatia do eleitorado do presidenciável. “Me parece que é uma presunção bem clara que o tema da segurança pública é importante para o governo porque é importante no ano eleitoral”, diz Sandes.
Para o cientista político Christian Lynch, o fato de Temer e o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), serem impopulares em ano eleitoral pode ter contribuído para a medida drástica adotada para tentar conter o caos na segurança do estado. “A crise da segurança pública no Rio de Janeiro data de muito tempo. Certamente concorre para decretação da intervenção federal o fato do governo Temer ser do mesmo partido que o governador; o fato de este último estar de acordo; de ser o estado mais importante governado pelo PMDB e, por fim, pelo fato de tanto o governador como o presidente serem impopulares em ano eleitoral”, explica.
“Então se está a juntar a fome com a vontade de comer, ou seja, a necessidade objetiva da intervenção com o ambiente propício e o proveito eleitoral e o mínimo de conflito entre estado e união federal”, completa Lynch.
Reforma da previdência
Além de atacar um problema cada vez mais central na mente do eleitor brasileiro, a intervenção federal no Rio enterra de vez a possibilidade da votação de uma reforma na previdência. Isso porque a Constituição não pode ser alterada enquanto houver a intervenção, que tem prazo para acabar apenas em 31 de dezembro deste ano. O governo corria sérios riscos de não conseguir votos suficientes para aprovar as mudanças, mas com o anúncio da intervenção neste momento, o governo também consegue criar uma nova linha de discurso.
A oposição ao governo já reagiu ao anúncio do decreto. “O governo tenta usar a intervenção como uma grande chantagem, com uma tentativa de tirar do seu colo o problema de não ter conseguido votos suficientes para aprovar a reforma da Previdência, como uma espécie de moeda de troca para tentar responsabilizar o parlamento pelo seu fracasso. Uma cartada desesperada que tem tudo para agravar ainda mais a crise”, disse, em nota, o líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente.
Juliano Griebeler, diretor de Relações Governamentais da Barral M Jorge Consultoria, avalia que com isso Temer tenta demonstrar que o governo está tentando ser proativo em um dos temas sensíveis para a população e que será central nas eleições. “As medidas anunciadas mais criam um fato novo do que solucionam o problema de vez. A intervenção seria desnecessária, outros caminhos poderiam ser utilizados para ter um trabalho em parceria com o estado do Rio de Janeiro para combater o problema de segurança”, afirmou.
“Caso consiga uma melhora expressiva na segurança pública no Rio de Janeiro, isso será um trunfo que o governo federal poderá utilizar durante as eleições. Entretanto, caso falhem, demonstrará que nunca tiveram um plano pensado e estruturado e agiram mais por impulso que por uma decisão pensada”, avalia Grieleber.
Para Sandes, o risco vale a pena. “Para um pré-candidato que tenha de 5% a 10% de aprovação como o governo federal, é um momento de arriscar”, avalia o professor da UFPI. “Você muda o tema, deixa de ser a reforma da previdência e passa a ser outro”, analisa.