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Índia bloqueia acordo na OMC e negociações devem ser plurilaterais

By 1 de agosto de 2014No Comments
Por Assis Moreira | De Genebra
 

Divulgação/OMC/WTO

A Organização Mundial do Comércio (OMC) vai ser impulsionada a partir de agora para um novo modelo de negociação, pelo qual entra quem quiser, chamado de plurilateral no jargão comercial, depois do bloqueio isolado da Índia que joga a entidade em nova crise.

Significa que não será necessário a OMC esperar que todos os países estejam de acordo, afastando o risco, como agora, de um país tomar uma negociação como refém por questões puramente eleitoreiras domesticamente.

Essa avaliação é de altas personalidades nos meios comerciais, depois da perda do prazo, meia-noite do dia 31, para os países aprovarem o protocolo do acordo de facilitação de comércio, que economistas dizem poder estimular a economia mundial em até US$ 1 trilhão.

Mas, nas palavras de importantes negociadores, o bloqueio da Índia ‘arrebentou’ um acordo para reduzir a burocracia nas alfândegas e inviabilizou a reativação da Rodada Doha de liberalização global. Assim, a busca de outra forma de negociar se impõe.

O que estava em jogo era o pacote de Bali, aprovado em dezembro do ano passado, incluindo dez acordos, como medidas de facilitação de comércio, agricultura (como subsídios para segurança alimentar e mais transparência na administração de cotas) e uma série de questões ligadas ao desenvolvimento de países mais pobres. Sua importância econômica não era negligenciável.

Após a aprovação do protocolo do principal acordo, de facilitação de comércio, o texto entraria no arcabouço da OMC e a partir daí poderia ser ratificado pelos Parlamentos nacionais.

Mas a Índia decidiu desfazer o que tinha sido acertado em Bali, há sete meses. Passou a condicionar seu sinal verde, para o consenso, ao acordo de facilitação de comércio em troca de solução permanente para continuar dando subsídios além dos limites autorizados, a fim de formar estoques por razões de segurança alimentar. Isso inclui bilhões de dólares para compra de arroz e trigo, que é estocado em boa parte em lonas ao ar livre, com milhares de toneladas apodrecendo atualmente.

Nas propostas submetidas a Nova Déli durante o dia, a Índia ganhava conforto para a questão de segurança alimentar. Depois de discussões de dias que duraram até as 21h de quinta-feira, Nova Déli preferiu correr o risco de jogar a OMC numa nova crise profunda. A proposta feita aos indianos era de que uma declaração do presidente do Conselho Geral da OMC estabeleceria que a ‘cláusula de paz’ seria permanente até que fosse encontrada uma solução definitiva para a questão de segurança alimentar. Pela cláusula de paz, nenhum país poderia denunciar a Índia na OMC por excesso de subsídios. Os indianos, porém, recusaram a proposta, estimando que só uma declaração do presidente do órgão máximo da OMC era insuficiente para evitar no futuro disputas contra suas práticas.

O que deixou todo mundo perplexo é que a Índia bloqueou o acordo para melhorar o poder de ganho na negociação para segurança alimentar deles. E o que acabou fazendo foi matar a discussão e afundar a chance a médio prazo de os outros países aceitarem negociar um sinal verde para a Índia continuar dando bilhões de dólares de subsídios para a produção de arroz e trigo, por exemplo.

Por isso, certos negociadores diziam ter visto ontem o maior erro de cálculo em suas vidas diplomáticas, com Nova Déli achando que a situação vai ser retomada como antes na OMC. Negociadores notam que não é a primeira vez que a Índia sacrifica a posição em que ganharia alguma coisa por outra em que perde tudo. Tudo isso em vista de eleição regional neste ano. A percepção é de que o novo governo quer mostrar que o anterior negociou mal mas que agora é diferente e mais duro, só que age de forma desproporcional e dá um baque na economia mundial.

Ao desfazer um dos dez acordos de Bali, a Índia abriu o caminho para os outros países também não cumprirem os outros compromissos. Os Estados Unidos avisaram que, sem a ratificação do protocolo do acordo de facilitação de comércio, a Índia perdia a cláusula de paz de quatro anos.

A avaliação na cena comercial é de que certos países, liderados pelos EUA e pela União Europeia, têm o caminho livre para querer avançar em acordo plurilateral, pelo qual entra quem quiser. Esse tipo de acordo não inviabiliza necessariamente a OMC. Já há atualmente negociações plurilaterais para liberalizar mais rapidamente produtos ambientais, e outra para ampliar a abertura no setor de tecnologia da informação. Outro acordo, sobre serviços, pode vir também para a OMC.

Nos acordos plurilaterais, a liberalização é mais rápida, mas países em desenvolvimento perdem poder de barganha, como ocorre no multilateral. Ou seja, a tendência é de abrirem mais em determinado setor, sem necessariamente ganharem em outra área onde têm interesse específico. O Brasil não participa atualmente de nenhum desses acordos, mas, até pelo seu interesse em facilitação de comércio, provavelmente não hesitaria em aderir nesse caso.

A irritação é forte contra a Índia. Todo mundo adota posição de acordo com sua política interna. Mas negociadores notam que existe uma certa proporcionalidade com o impacto sobre o resto do mundo. ‘O que a Índia fez foi arrebentar tudo o que estamos negociando, e não ganhou nada’, afirmou uma fonte. ‘O pior é que eles não têm a menor sensibilidade para o que acabou de acontecer.’

A direção da OMC advertiu os países que a entidade entra agora num período de ‘plena incerteza’. E pediu para cada um refletir sobre as consequências do que aconteceu.

O embaixador brasileiro Marcos Galvão, disse ao final da reunião de ontem na OMC que o Brasil por sua vez quer a implementação de todo o pacote de Bali, incluindo facilitação de comércio, e espera que se possa retomar positivamente o acordo em setembro, na volta das férias.

Em todo caso, a credibilidade da OMC sofre novo golpe. Os Estados Unidos e a União Europeia podem acelerar sua própria negociação bilateral, afundando mais o multilateralismo que não dá resultado. O Japão avança também em discussões regionais de liberalização.

 

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