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O desafio da transformação da África

By 13 de dezembro de 2013No Comments
Por Dani Rodrik
Há muito vista como um caso econômico perdido, a África Subsaariana vive seu melhor desempenho em termos de crescimento desde os primeiros anos pós-independência. As grandes receitas com recursos naturais ajudaram, mas as boas notícias vão além dos países ricos em recursos. Desde meados dos anos 90, países como Etiópia, Ruanda e Uganda vêm crescendo a taxas dignas do Leste da Ásia1.
A questão é se esse desempenho pode ser sustentado. Até agora, o crescimento vem sendo impulsionado por uma combinação entre a chegada de recursos externos (auxílio financeiro, alívio de dívidas ou receita com as commodities) e o fim de algumas distorções políticas do passado. A produtividade doméstica ganhou impulso com o aumento da demanda por bens e serviços domésticos e pelo uso mais eficiente dos recursos. O problema é que não está claro de onde poderão vir os ganhos futuros de produtividade.
O problema básico é a fragilidade das transformações estruturais nessas economias. Os países do Leste da Ásia cresceram muito por terem replicado, em um período de tempo bem menor, o que os países avançados de hoje fizeram após a Revolução Industrial. Eles transformaram seus agricultores em trabalhadores industriais, diversificaram suas economias e exportaram bens cada vez mais elaborados.
Pouco disso vem ocorrendo na África. Nas palavras dos analistas do Centro Africano para a Transformação Econômica, em Accra, Gana, o continente está ‘crescendo rapidamente, transformando-se lentamente’2.
Em princípio, o potencial da região para a industrialização de uso intensivo de mão de obra é imenso. Uma fabricante chinesa de calçados, por exemplo, paga a seus funcionários na Etiópia um décimo do que paga na China. Na Etiópia, pode conseguir uma produtividade equivalente à metade ou mais dos níveis chineses, por meio de programas internos de treinamento. A economia obtida com a mão de obra mais do que compensa custos adicionais de se fazer negócios no cenário africano.
Os números agregados, no entanto, contam uma história preocupante. Menos de 10% dos trabalhadores africanos encontram emprego na indústria e, entre estes, só uma pequena parte (que chega a ser de apenas 10%) está empregada em firmas formais e modernas, com tecnologias adequadas. Lamentavelmente, houve poucos avanços nesse sentido, apesar dos altos índices de crescimento econômico. Na verdade, a África Subsaariana mostra-se menos industrializada hoje do que nos anos 80. Os investimentos privados em indústrias modernas, em especial que não sejam ligados a recursos naturais negociáveis, não aumentaram. Continuam baixos demais para estimular transformações estruturais.
Como em todos os países em desenvolvimento, os agricultores na África migram em massa para as cidades. Ainda assim, como mostra recente estudo3 do Groningen Growth and Development Center, os migrantes rurais não vão para trabalhar em indústrias modernas, como foi o caso na Ásia, mas em serviços como os de distribuição e de comércio varejista. Embora esses serviços tenham produtividade muito maior do que grande parte dos trabalhos na agricultura, não são tecnologicamente dinâmicos na África e estão abaixo dos parâmetros mundiais.

Vejamos o caso de Ruanda, a tão proclamada história de sucesso, cujo Produto Interno Bruto (PIB) aumentou mirabolantes 9,6% por ano, em média, desde 1995 (com a renda per capita aumentando a um ritmo anual de 5,2%). Xinshen Diao, do Instituto Internacional de Pesquisa de Políticas Alimentares (IFPRI, na sigla em inglês), mostrou que essa expansão foi puxada por serviços de bens não negociáveis, em especial na construção civil, transporte e hotéis e restaurantes. O setor público predomina nos investimentos e a maior parte desses investimentos governamentais é financiada por recursos estrangeiros. O auxílio financeiro externo provocou a valorização da moeda, agravando as dificuldades enfrentadas pela indústria e outros bens negociáveis.
Não digo nada disso para menosprezar o progresso de Ruanda na redução da pobreza, refletido em reformas na saúde, educação e no cenário geral das políticas econômicas. Sem dúvida, essas melhoras elevaram a renda potencial do país. Mas o avanço na governança e no capital humano não se traduz necessariamente em dinamismo econômico. O que falta a Ruanda e outros países africanos são atividades modernas de bens e serviços negociáveis que possam tornar realidade esse potencial e agir como um motor doméstico de aumento na produtividade.
A força dominante do cenário econômico africano – um setor informal com microempreendimentos, produção familiar e atividades não oficiais – está absorvendo a crescente mão de obra urbana e agindo como uma rede de proteção social. Evidências sugerem, entretanto, que isso não é suficiente para suprir a ausência de dinamismo produtivo. Estudos mostram que bem poucos microempreendimentos crescem o suficiente para sair da informalidade4, assim como a maior parte das firmas bem-sucedidas em estabelecer-se não começa como empresa pequena e informal.
Otimistas dizem que as boas notícias referentes a transformações estruturais africanas ainda não se deixam ver nos dados macroeconômicos. Podem muito bem estar certos. Mas, se estiverem errados, a África pode deparar-se com sérias dificuldades nas próximas décadas.
Metade da população da África Subsaariana tem menos de 25 anos. De acordo com o Banco Mundial, a cada ano cinco milhões de pessoas completam 15 anos5, ‘passando da fronteira da infância para a vida adulta’. Tendo em vista a lentidão no surgimento de transformações estruturais positivas, o Banco Mundial projeta que nos próximos dez anos apenas um em cada quatro jovens africanos vai encontrar emprego regular como trabalhador assalariado e que apenas uma pequena fração estará no setor formal em empresas modernas.
Vinte anos de expansão econômica na África Subsaariana elevaram as expectativas da população jovem quanto a bons empregos, mas não elevaram a capacidade para que estes sejam criados. Essas são condições que tornam mais provável o surgimento de protestos sociais e instabilidade política. Um planejamento econômico baseado apenas em extrapolações do crescimento recente vai exacerbar a discrepância. Em vez disso, os líderes políticos africanos podem precisar encontrar uma forma de baixar essas expectativas, enquanto trabalham para aumentar o ritmo de transformações estruturais e inclusão social. (Tradução de Sabino Ahumada
1 – www.bit.ly/JjLIqi
2 – www.bit.ly/1j0RUDj
3 – www.bit.ly/1kDS0Mv
4 -www.bit.ly/1cEmGfQ
5 – www.bit.ly/1fao6hI
Dani Rodrik é professor de ciências sociais no Institute for Advanced Studies e autor de ‘The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy’. Copyright: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org

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